... comentando seu último e excelso post sobre amizades:
Suspeito que o que escrevo reflita minha sociopatia/misoginia/atitude blasé/pura arrogância em relação aos commoners que me rodeiam, but
so it goes: eu não me incomodo com amizades natimortas, as pessoas que chegaram aos tropeções às margens da minha vida, observaram o fluir dos acontecimentos, os seres estranhos que nadavam na corrente, colocaram o pezinho na água para ver se estava fria e deram para trás. Para ser mais franca ainda, chego a não registrar a presença dos poucos que deram uns mergulhos, achavam que podiam aguentar a temperatura, o lodo e os peixes estranhos, e depois saíram correndo pedindo arrego para a toalha.
Minhas águas não são para os fracos. Já sofri muito ao observar o mudaréu de gente espanando nas águas estagnadas dos outros, já quis ser olho d'água, laguinho, ter girinos, lambaris -- existir repleta da vida que bóia em água parada. Mas quem nasceu pra rio não dá pra açude; em algum momento durante minha crise dos vinte e poucos anos resolvi parar de me martirizar por tudo que eu não sou e aceitar o que há de caudaloso, traiçoeiro, barrento e fugidio em mim.
Still waters run deep my ass; you never get into the same river twice.
Muita gente interessante passou por mim, e pouca permaneceu. Talvez por eu ser tapada por natureza, o Inefável sempre tornou óbvio quem pertencia ao meu acervo e quem era
pulp fiction; já dei com os burros n'água ao ler uma pessoa promissora por capítulos a fio apenas para descobrir mais uma coleção de clichês, de espiritualidade Paulo Coelho ou densidade Sydney Sheldon. Doeu, mas deixei o livro-pessoa de lado, não-terminado --natimorto. Sem dó. Nosso tempo nessa terceira rocha a partir do Sol é muitíssimo limitado para ser desperdiçado com má literatura. Leio e jogo fora, ou leio e repasso para um incauto, ou -- t
he horror! the horror! -- vendo mesmo para um sebo em busca de algum retorno do investimento emocional.
Prefiro meu seleto grupo de clássicos, meu Top Ten of the World's Finest Crazy Persons que releio, memorizo, guardo no coração para referências e alusões mesmo na ausência. Meus Pequenos Príncipes, meus Quixotes, meus poetas urbanos -- sou grata a cada um deles por terem sido capazes de navegar minha vida tão corrida, suportar minhas vazantes... sou pessoa de poucos amigos, reclusa por opção, chata pra caralho e com a graça social de um Chefe-Guerreiro Viking; os amigos que permanecem do meu lado (muitas vezes beeem distantes da margem pra não serem respingados pela fúria do meu existir) são valorizados e queridos -- do meu jeito meio ogro, mas creio que eles me entendam.
Nos últimos quatro anos, a fabulosa internet, além de ter me conseguido um marido, resgatou das profundezas do orkut um amigo-irmão querido (TC, you know who you are!). Adicionei-o sem medo à prateleira. O trabalho -- felizmente no meu meio a quantidade de pessoas
sui generis é grande -- adicionou outros, alguns marcantes e dignos de notas de rodapé, outros, thrillers bem escritos. No mais, a biblioteca dos meus afetos está fechada para balanço, indefinidamente.
"Mas nossa, que radical, olha quanta gente legal você deixa de conhecer com essa atitude elitista imbecil e essa sua personalidade escrota!" Com certeza. Ainda conheço pessoas, leio livros novos, emociono-me com tudo. Meu problema é preferir intensidade a quantidade. No meu universo hiperativo e psicótico administrar relacionamentos é um desafio. Prefiro manter os que tenho e deixar os outros à margem (até que se prove o contrário) do que me tornar represa de um monte de gente que jamais conseguirei suportar.
Estou aprendendo a inumana arte de não olhar para trás, como a mulher de Lot.
Che sera, sera; meu top ten permanece o mesmo até hoje. A ordem de seus elementos muda, as releituras, a compreensão do texto, de suas maravilhas e lacunas; mas eles estão sempre lá. As obras que somem, emprestadas para algum ladrão de livros fidaputa, sempre retornam à fonte, quando o momento é propício. As que não retornam, bem, espero que encontrem prateleiras que as sirvam de abrigo. Quanto aos ladrões de livros, que Éris destrua a todos de modo humorístico e ignominioso.
Impermanência.
Love it or grieve it. Nada "é para ser". As coisas são ou não são -- essa é a questão.
Bonito isso -- eu deveria escrever livros de auto-ajuda. Às vezes eu quase me convenço de que escrevo a verdade, o que é um grande feito; mas na maioria dos casos, termino meus textos-reflexões com a sensação tão burilada por Pessoa -- uma foz:
"Afinal, isto bem me contentaria, se eu conseguisse persuadir-me que esta teoria não é o que é, um complexo barulho que faço aos ouvidos de minha inteligência, quase para ela não perceber que, no fundo, não há senão a minha tristeza, a minha incompetência para a vida." -- O Livro do Desassossego
So it goes.
--Xochiquetzal.
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