terça-feira, 31 de março de 2009

Vouyerismo e paranóia

Com que facilidade descobre-se gentes na internet.

Ando recebendo bastante e-mail de leitor do site, e toda vez que vem um "oi te adoro bjos" assinado com nome/sobrenome/telefone com ddd/nome da empresa (bastante comum quando me mandam e-mail com endereço profissional) eu gasto uns bons minutos no orkut pra ver de quem se trata. People watcher ou só curiosa demais, mas de vez em quando penso "quem será esse, qual seria a cara?" e acabo não resistindo e fuçando um pouco.

O bizarro é que é fácil demais.
Com nome, sobrenome e DDD eu descubro onde a pessoa trabalha, estuda, quais são seus amigos, do que gosta, qual é o seu "ideal match", que músicas escuta, quais viagens já fez e... e...
Caramba, na "minha época" não tinha isso. Com muito custo achava-se alguém no ICQ/mIRC. Com muito custo, transferia-se umas duas fotos. E hoje em dia tem um monte de vida esparramada no meu monitor, ao alcance dos meus dedinhos preguentos de curiosidade e uma espécie peculiar de vouyerismo.

Achei num blog semi-morto na internet:


"Hoje, o voyerismo é cada vez maior. Descarado, incorporado a situação indivídual tanto quanto a vontade de conhecer, descobrir.
O voyerismo deixou de ser pecado, passou a ser rotineiro, facil e deixou de ser totalmente passivo".

Se eu encontro as pessoas de forma fácil, facilmente elas me encontrarão também, não? MIEDO... vai saber na mão de que psicopata pode cair meu perfil do orkut.


[/paranóia]
[/badtrip]

Olhando furtivamente para trás e tendo sobressaltos e copiando as assinaturas da X.,

Bel

quinta-feira, 26 de março de 2009

A Day In The Life





(Olha para o cursor piscando provocações literárias)

(lembra que o carinha de "Across the Universe" é altamente gatinho)

(concentra-se na zombaria eletrônica do cursor piscante)

(muda o papel de parede do computador)

(volta a tentar escrever alguma coisa)

(resolve ver "Across the Universe" de novo)

Estou trabalhando demais.

Tipo, 13+ horas por dia demais.

Agora não tem mais volta: é aguentar o tranco até o final do semestre, quando alforriarei a mim mesma e tentarei usufruir do capital acumulado durante estes seis meses negreiros. Se houver algum capital restante, claro, já que meu novo estilo de vida devora-se a si mesmo como algo que devora-se a si mesmo e não me vem à mente agora porque estou estupidamente cansada. Meus gastos com junk food na rua são irreais porque não tenho tempo ou disposição para ir a um restaurante. Comer em casa, nem pensar: saio todo dia por volta das sete da manhã e só torno a ver meus gatos às dez da noite, quando tomo um banho, leio dois capítulos do livro do momento (Laços de Família de Clarice Lispector) e desligo, o tilintar das chaves do patrão chegando imiscuindo-se aos sonhos sorrateiros dos que precisam de remédio para dormir.

Pobre patrão. Não sei com que roupa ele saiu hoje, se fez a barba, se está com um abscesso purulento no meio da testa ou ainda possui dentição completa. Não saberia se ele chegasse em casa às quatro da manhã, meia garrafa de Absolut na mão, cueca por cima da calça e coberto de marcas de batom. Acordo com ele nocauteado ao meu lado e participo de atividades noturnas pretéritas através das pistas deixadas pela casa: rodelas úmidas nos móveis, cinzas no sofá, louça suja na pia. Refaço a noite dele na limpeza diurna minha, um rebuliço de arrumação ligeira entre horas, livros e gatos negligenciados. Banho, roupa, maquiagem, café requentado pela pressa, verifico o conteúdo da bolsa de cinco quilos, afago o gato mais próximo e saio correndo pelas manhãs ofuscantes da Região dos Lagos, parando às vezes no corredor-varanda para um cigarro e um instante clandestino de contemplação e paz: as nuvens nas montanhas ao longe, os coqueiros dos terrenos que circundam meu prédio, a cidade que amanhece, o silêncio.

Devo ser uma figura interessante, a hippie de maquiagem gótica fumando um cigarro no meio do brejo.

Pego a van até o centro, passando por mares cobalto antes de entrar na sala de aula que será minha baia pelas próximas dez horas. Luz fluorescente e ar-condicionado contra o desbunde tropical do lado de fora, e aulas, muitas aulas, aulas até as dez da noite, com quinze minutos de intervalo entre elas, aulas. É o que eu sei e gosto de fazer, mesmo com as turmas infernais de adolescentes mimados e as sessões Eliana Dedinhos com meus grupos de kids, mas oh boy: são muitas horas de pé, falando alto e sem parar, muita coisa a preparar e corrigir. Meu ano de vagabundagem em 2008 me deixou tão esfomeada por trabalho que acabei abocanhando mais, muito mais do que sou capaz de engolir -- mas não tem jeito. Alguns goles de benzodiazepínicos para ajudar a maçaroca a descer goela abaixo, Tandrilax para as pernas e as costas, Hexomedine para a garganta: viva a alopatia.

Ao meio-dia de sábado chego em casa para não sair mais até a manhã de segunda, já que praias e bares não são mais opções de lazer. Os momentos de vigília das trinta e seis horas seguintes são uma celebração folclórica do cultivo de batatas-de-sofá: uma quermesse mental com corrida do saco (de tatus), pescaria (de assuntos), maratona (de DVDs) ,tradicionais barraquinhas de Scrabble, Mau-Mau e Truco e comidas tipicamente calóricas.

Enquanto isso vivo minha versão proletária de Feitiço de Áquila, tendo breves vislumbres do meu marido ao nascer e pôr do sol e aguardando que Julho chegue, libertando-me da maldição dos professores workaholics.




Apesar da minha dieta de partir --literalmente-- o coração e minha atividade física pífia, de algum modo meu organismo resolveu me deixar feliz dando um jeito para que eu perca peso ensinando inglês. Obrigada, organismo: ao pensar que a atividade física mais extenuante de meus fins de semana é ensaboar o corpo e que ando tão absurdamente sedentária que me pego sem fôlego no chuveiro, só posso agradecer.

Bem, caros leitores, esse é o resumão do meu mês, pálido em comparação ao da Bel, claro: nada de polilances, ou crises financeiras.

E formaturas:É ÓBVIO que preciso ver o convite de tão importante evento -- a menarca da sangria desatada que é o mercado de trabalho. Regozijo-me com você, amiga, e gostaria muito de poder testemunhar sua colação diminutiva, nem que fosse apenas para rir sozinha da superlatividade que te aguarda. Ah, os meus velhos tempos de recém-formada...

E ó: cansei de meus pronunciamentos oficiais à imprensa de que não estou grávida e não tenho planos de emprenhar. Atillah, você é um motherfucker, e se ainda me resta algum poder místico, rogo-lhe a seguinte praga: que você seja o primeiro participante desse blog a passar seus genes adiante, e transforme-se no tipo de cara que vai a todas as pecinhas de escola do(s) filho(s), coloca a foto do(s) moleque(s) -- nunca se sabe a extensão de meus poderes maldizentes, deve-se sempre deixar espaço para a pluralidade das novas existências -- como papel de parede do computador.

E que se o seu futuro filho for menino-macho, que seja Atillah JÚNIOR.



Fazendo-se de rogada,

-- Madame Xochiquetzal Espírita Vidente.

terça-feira, 24 de março de 2009

Resumão do mês em que descaradamente negligenciei o blog

Estou sendo vítima de novos tentáculos nascendo no meu triângulo de polilances. Tudo está tendo que ser acomodado novamente. Antes eu tinha, minimamente falando, três fortes lances, cada um especial e intenso à sua maneira. Estava até acomodada com a simplicidade de lidar com cada um, já que em todos os lances eu era o elemento... digamos... extra-curricular dos lances dos meus lances (q).

Agora tem um lance novo nos meus lances. E é um lance onde sou o lance oficial (tá bom, parei com esse lance de "lance"). Ainda frágil, mas promissor. E é esquisito, diferente, agradável, novo, bizarro e interessante. Logo eu, que achei que já sabia de quase tudo na vida. PFFFF.

Amiga X., minha língua não é longa o suficiente pra ser o chicote da minha bunda, mas você pode arranjar um chicotinho, um outfit de couro preto bem sadomaso, desenhar um alvo na minha traseira e me punir.
Pretty please? *puppy eyes*



O que importa é que balançaram-se mas acomodaram-se. Olha só, acabei ficando feliz e satisfeita com o trajeto das coisas. Apesar de um certo tremelique temporário na cabeça -acho que devido à falta de experiência com a coisa toda- tudo continua muito, mas muito igual. Só que com um tentáculo a mais. Achei bom e maduro conseguir assimilar sem surtar. Eu sou foda, falaê.




Mudanças: we haz dem. X. com seu jeitão de hippie-de-beira-de-praia-com-colarzinho-de-concha e Sra. Eu-não-fumo-mas-acende-um-Carlton-pra-mim vai abandonar seu trailer psicodélico, botar um ternino e dominar o mundo. Sem contar que virou "tia X." e pensa em nenéns com carinho. Só o Atillah continua o mesmo traste FDP de sempre.
Mas eu te compreendo, amiga: nossa estirpe é boa demais pra morrer minguada no nosso útero seco, egoísta, psycho e sem a menor aptidão ou talento pra maternidade. Mas até a menopausa eu tenho tempo de sobra pra gastar exatas 107.832.203 camisinhas e algumas milhares centenas de caixas de Adoless. E também pra mudar de idéia. Por enquanto, que as minhas regras continuem vindo mensalmente, aleluia hosana, irmãos, amém.
Mas, falando de nós e de nenéns... X., você não acha que essa figura/piada FAIL velha e batida parece o filho-que-nunca-haverá de alguém daqui do blog? (DICA: não sou eu nem você, hein)



Enfim, divago. Ando num estado sonâmbulo e semi-hipnótico zanzando por aí, atordoada por problemas financeiros advindos por -Inefável, pega eu- falta de trabalho. Obviamente que não minha falta de trabalho. Tá bem foda e essa situação anda comendo meu cu com sal, limão e um pouquinho de pimenta. Atillah, sabe aquele seu excesso de trabalho de 2 meses atrás? É, aquele mesmo, que te fez perder as melhores férias na praia da sua vida. Então, não tem como mandar um pouco pra cá, não?

Voltando a falar das mudanças, semana que vem é a minha formatura. Vou colar no grau e pegar no canudo (heh). Queria tanto mostrar pra vocês meu convite de formatura, cum eu toda comportadinha e vestidinha de professorinha na foto (essa foi uma frase que mereceu muitos diminutivos). Não sei de vocês, mas ter começado e terminado essa UFG por minha conta e risco é de enorme valor pra mim. Auto-orgulho foda por causa disso, significa muito pra mim.
Uma pena que a pressão de "já me formei e continuo na merda, preciso trabalhar mais URGENTEMENTE senão nunca vou sair dessa lama desgraçada" anda cortando a onda boa de sentir orgulho por ter terminado meu curso com louvor. Modéstia mandou lembranças.
A audácia também está exilada pra lá, tendo em vista que ando encarando meu futuro profissional/financeiro com pessimismo. The door cracks open, but there's no sun shining through.

Perdoem o post excessivamente diarinho, mas tava com mais vontade de desabafar que matutar.
Mas qual desabafo não tem um quê de reflexão, né?

Esparramando-se sobre a mesa,
Bel.

domingo, 15 de março de 2009

I already know




Birth. Imagine pushing a grapefruit through your anus. Imagine it taking ten hours. Imagine that after ten hours of trying to push a grapefruit through your anus and failing that doctors cut a big hole in your belly to remove the grapefruit. Don't believe anyone who says that they forget all about it in a few months.

Responsibility. All of life's prior responsibilities pale in comparison. If you decide to have a child, that new person must absolutely be your top priority. As your child will remind you when he or she is older and something goes wrong, "I didn't ask to be born." A child is a life long commitment to a person who is innocent of this choice. 

Diapers. Disposable diapers these days absorb lots of liquid, and they don't leak. But you still have to change hundreds of them. Often they contain more than liquid. As the child gets older, diapers become smellier and bigger tasks. Then there is toilet training, with its inevitable setbacks and accidents. 

3am wakeups. Caring for a child takes a lot of physical and emotional energy, made all the harder by babies that only sleep for ninety minutes at a time. Many parents of much older children seem to forget how hard the first few months were as they look at the past with rose colored glasses. Don't believe them. Parents need sleep to work well, and they often can't get it.
 
Hard on marriages. A baby takes so much time and attention that spouses must already have a great friendship and work well together before the baby arrives. It is a certainty that one spouse will disagree with the other about decisions on how to care for the child. It is likely that one spouse will resent the lost time with the other. A marriage with some difficulties will get much worse when a baby is crying and the parents are sleep deprived.


Advice. Total strangers leap forward to offer advice about how to raise your child. Most of the advice is contradictory and flat out wrong. Strangers will be much easier to ignore than your friends and family, many of whom have raised children quite successfully. Some advice you may want, but lots of it will be unsolicited and unappreciated. 

Changed relationships. When your family expands by the addition of a child, your relationships with everyone, and I mean everyone, changes. Your child is at the forefront of most of your thoughts, and those people without children cannot relate. Those people with children are finally happy to see that you can relate. Everyone will watch how you raise your child and will at some point cluck and disapprove, including those who raised ten children and those who raised none. Some strong bonds will weaken, some friends will not been seen again. Some may improve, but with your energies and devotions directed towards your child, that is much less likely.

Free time. You will have none. Most time not spent with your child will be spent catching up on work you need to get done. You and your spouse must carefully plan any time away from your child, and very little can be done spontaneously. To pretend otherwise is probably neglectful of either your child or your spouse. 

Worry. Parents always worry about their children, monitoring how fast they reach each milestone and how well they grow, eat, sleep, crawl, walk, read, make friends, and so on. And yet there is little a parent can do beyond allow a child to proceed at his or her own pace. It can be frustrating and scary when your child isn't eating well, or cannot read at his or her grade level, or is socially inept. 

Money. Children are expensive in several ways. One parent loses wages while caring for a child. Children need to eat and be clothed. They need toys with which to explore the world. They need health care, they need education, they need activities and hobbies. They will need car insurance. The proper raising of a child is not cheap.


Laundry. Children do not contribute to household chores until they are older, and even then they generate more work than labor. Having a child means that your living space will need more cleaning than before, not only as your child makes a mess of it but also because you cannot let your child crawl around in dust and dirt. Your child will find all sorts of vile things to put in his or her mouth in the cleanest of homes. Your laundry and dishes will double, and you will do all the picking up after your child for many years. 

Tantrums. Many times you will tell your child that they cannot have what they want, and they will scream to get you to change your mind. You will need to avoid saying "no" as much as possible, but then stick to your decision when you do. Otherwise you will encourage tantrums. However, younger children cry because that is the only way they have to express themselves, and you need to be attentive. It becomes difficult judging when a child is having a serious problem and when he or she is having a tantrum. Tantrums are not just for two-year-old children, they will continue for years in many different forms as your child will attempt to change your mind. At some point children figure out how to get what they want despite you, and that opens another can of worms. 

Rebellion. Children need to assert their independence and individuality. All will feel stifled in some way by their parents or other authority figures, and they will attempt to subvert the dominant hegemony. Didn't you? It usually isn't pretty. 

Dissonance. Lots of adults do not get along with their parents. Perhaps they forget all the work that their parents put into raising them, or perhaps they resent that the work that their parents did was not enough. At some point your child will probably be very angry with you, and may even hate you for years. This is not uncommon, and you know it because you can name a dozen people who don't get along with their own parents. 

Pain. Your child will cry and you won't know why or how to fix it. You will mess up and let your child get hurt. You won't be there and your child will get hurt. Your child will get really sick. Your child will fail at something and feel humiliated and worthless. Guaranteed. The world is a hard place on everyone, especially small, naive, fragile people. 



6 billion. The world is already overpopulated. Do you really have to add to it? Do not answer this question lightly. Every new human draws on our limited resources, tramples over previously undamaged land, creates more waste, and accelerates worldwide instability. 

Failed expectations. You may expect your child to be interested in things that fascinate you, and then be disappointed. You may be brilliant and your child may be dull. You may be athletic, unhappy to discover that your child has trouble walking a straight line. Your child may abandon your religion or main beliefs. Your child may grow up to be someone you have very little in common with. In fact, your child will definitely not be a little version of you. Any thoughts about what kind of person you want your child to be are wasted thoughts, and probably detrimental. 

Lost freedom. People without children can easily pack up and move. They can be without work or change careers. They can break up with their partners and find new ones. Children, while often flexible, must be accounted for in all major life changes. In fact, they demand that the world not change around them so fast while their own understanding of the world grows and changes at the same time. Stability and routine allows a child to explore life from a vantage of safety and consistency. You must be willing to give your child such stability at the cost of your own freedom. 

Hard work. Raising a child takes more than love and time. You must concentrate on all methods of communication that your child attempts so that you may properly understand his or her needs and wants. You must introduce your child to new stimulation and situations regularly. You have to figure out best ways to teach your child at each age, what to teach them, and when to teach. You must be available and responsive to your child even when you are tired or sad or very busy. 

The unthinkable. The death of a child, while unlikely, is devastating. It often destroys marriages, as both spouses need comfort that the other cannot provide. Frequently one parent will blame the other. So much emotion, time, and energy gets poured into a child that to lose it all at once is crippling. Many well meaning people say hurtful and stupid things in a misguided attempt to help. This is one case where it is better to not have loved at all than to have loved and lost.

Fonte: aqui.

AWWWWW. But they're SO cute.

:)

I already know that i'm a motherfucker. Don't even bother telling me again.


love grace tolerance

Atillah

segunda-feira, 9 de março de 2009

Deixai Vir a Mim as Criancinhas!







Regozijai-vos, irmãos de fé -- Xochiquetzal está no meio de vós!

É noite de domingo e só agora terminei de preparar (parte das) aulas para a semana que vem. Não sei como sobrevivi até aqui, após ter cometido a temeraridade de aceitar NOVE turmas no novo emprego, além dos cinco alunos particulares que, além do ganha-pão, são o verdadeiro orgulho e alegria desta professora que vos fala.

Trabalho de segunda à sexta das 8 da manhã às 20:30 e sábados até o meio-dia. Segunda cheguei em casa gemendo de tanta dor nas pernas; terça tomei meia cartela de paracetamol e uma garrafa de café (estimativas da Dona Clarice da cantina) para dar conta do recado; quarta lecionei sob efeito de quatro relaxantes musculares do tipo que permitiriam a uma atriz pornô gravar uma quádrupla penetração sob gravidade zero; quinta perdi a voz -- por não estar mais acostumada a vigiar seu volume atordoante ou pelo constante entra/sai de salas com ar-condicionado para corredores de temperatura sertaneja, não sei; sexta tive que gastar R$ 12 num táxi para casa porque não conseguia caminhar do curso até o ponto de ônibus van. Aí no sábado gastei quase R$ 100 numa sandalinha Usaflex (daquelas que enfermeiras usam e senhoras de pernas varicosas acham trendy) e a minha vida mudou. Continuo cansada ao ponto da afasia/agnosia pós-21hs, mas pelo menos I'm walking on sunshine, yeah yeah...

E olha que a época de correção de exercícios e provas em massa ainda não chegou. Mas tá bom: manifesto meu espanto pela minha capacidade sherpa de trabalho como tributo à remuneração indecente que estarei recebendo em troco de minha saúde, meu casamento, minha vida social e estabilidade mental. Posso chegar a julho muda, numa cadeira de rodas, divorciada, rechaçada pelos amigos e psicótica -- MAIS CHEGAREI RICA, MWAHWAHWAHWAHWA!!!!!!!!!!!!!!!



Mas então. Enquanto minha escalada ao poder total e absoluto não atinge seu ápice, decidi me distrair descrevendo dois episódios curiosos da minha semana, ambos envolvendo tópicos extremamente controversos para mim: crianças e religião.

O primeiro ocorreu quando recebi meu quadro de horários um dia antes das aulas e fiquei apoplética ao constatar que mais da metade de meus grupos era de crianças -- crianças criancíssimas, de 8 a 12 anos de idade. Já havia trabalhando com adolescentes antes, sem maiores problemas do que o eventual confisco de iPod e alfinetadas destinadas a reforçar caráteres em formação, mas cara, 8 anos? 10 anos? EU!?

A diva que mora dentro de mim manifestou-se com toda sua fúria de prima donna. Contestei a distribuição meus grupos de modo absurdamente impulsivo (O RLY?) no meio da reunião pedagógica. Fui pra casa pensando em me demitir, resmungando que não tinha feito faculdade para ser babá bilíngüe, que para uma pessoa com meu nível cultural e minha capacidade profissional, passar horas ensinando cores, nomes de animais e cantando Twinkle, twinkle, little star vestida de Barney (minha imaginação alimentou o fogo de minha fúria) era um absurdo, um achaque, um vitupério. Eu havia deixado claro minha ojeriza por pimpolhos desde o início. Eu tenho gatos, não filhos. Eu não vou em festa de criança. Eu não finjo interesse em High School Musical e abomino o modo condescendente da maioria dos adultos tratar a molecada.

Dia seguinte, sou chamada à coordenação e informada de que manifestei meu repúdio de forma veemente o bastante para que a chefia reduzisse meu número de grupos kids -- apesar de não poder fugir ao meu destino de Eliana biglota, já que todas as professoras fêmeas TINHAM que pegar turmas de crianças. Como se o apego aos pivetes viesse gravado em nossos cromossomos, certo? Machismo! Como OUSAM?

Mas tudo bem. Surpresa por não ter sido sumamente demitida (como quando de uma situação semelhante em uma conhecidíssima escola de idiomas em Minas Gerais), aceitei meus manuais do professor coloridíssimos, conformada com minha condição inferior de fêmea docente. Marchei funebremente rumo à sala onde dezesseis petizes de nove anos me aguardavam.

Eles não paravam quietos. Eles falavam todos ao mesmo tempo. Eles me obrigavam a forçar ainda mais a minha voz. Eles não permitiam que eu me sentasse um pouco para descansar as pernas. Eles alimentavam minha hiperatividade com a deles. Eles não ligavam para meu excesso de energia. Eles respondiam às minhas técnicas insanas de transferência de conhecimento. Eles eram espertos. Eles eram engraçadinhos.

E, no final da aula, quando abri a porta e me despedi muito seriamente da turma, fui surpreendida por uma fila indiana de alunos esperando um beijo e um abraço para sair da sala. Alunos dizendo que eu era a tia mais legal que eles já tiveram. Alunos que me puxavam pela mão para me apresentar aos pais. Pessoinhas de um amor sem comedimento.

Me peguei sorrindo enquanto era seguida por grupinhos de alunos disparando perguntas do tipo "Tia, você tem namorado? Tia, onde você mora? Tia, você gosta de Naruto? Tia, posso trazer um desenho pra você na aula que vem?". Me peguei sendo o alvo das piadinhas de todos os professores que testemunharam meu ataque de pelanca na coordenação. Afinal, eu parecia ter nascido para isso.

Não, não, mil vezes não! Não seria agora, aos 28 anos, que um conceito tão arraigado como o de minha aversão às crianças seria revisto. Calma, Xochiquetzal, calma: é a TPM, é o stress de início de semestre, é a novidade do novo ambiente de trabalho, é rebote do seu abandono da nicotina há quase um mês. Tira esse sorriso da cara. Você é professora de língua inglesa. Tia do inglês não. Nãonãonão. Not a chance, no fucking way, no.

As segundas aulas chegaram, e com elas aluninhos trazendo presentes. Flores de papel com meu nome no miolo delas. desenhos de uma mulher de saia e cabelos negros de mãos dadas com o Bob Esponja, ao lado de um abacaxi no fundo do mar. Bilhetinhos com corações. Iloveyouteachers.

Fui pega dançando High School Musical enquanto tentava conter uma dança das cadeiras fora de controle. Pela coordenadora que ouviu minha arenga anti-kids. Que entrou na minha sala superlotada de aluninhos de nove anos, pegou minha folha de chamada e disparou à queima-roupa:

"Josiane, Yuri, Rodrigo, Gabriel, Lucas, Gabriela, Mateus e Clara, vocês vão pra turma da Tia Aninha na sala 2. A sala está muito cheia, temos que dividir o grupo."

As crianças congelaram. Eu congelei.



They. They were going to take my babies. NOOOOOOOOO!

Fiquei assistindo sem reação enquanto meus alunos (que por ironia do Inefável eram quase todos os que haviam trazido presentinhos) eram conduzidos em lágrimas para outra sala. Houve choro e ranger de dentes, leitores. Alunos se abraçando às minhas pernas e pedindo que eu convencesse a Tia Aninha a deixá-los ficar. E eu não pude fazer nada.

Dingo took my babies.

Continuo com o resto da ninhada, mas de coração partido ao ver meus bichinhos sendo desmamados. Ganhei uma rosa de papel de uma Josiane lacrimosa, que pediu que eu só a desdobrasse depois da aula.

"Para uma grande muler. Teacher eu amo vc."

(silêncio significativo)

Reflitam: A língua é o chicote da bunda.

Mas então. Religião.

Um de meus alunos particulares, que vamos chamar de Bernardo, é crente evangélico. Crente Evangélico hardcore, daqueles que põem o medo do Senhor (ou melhor, dos seguidores do Senhor) em meu coração -- apesar de ser uma figura bonachona que dá em cima (de brincadeirinha, sem qualquer malícia, afinal é o jeitinho dele, claro, esse povo vê maldade em tudo) de qualquer criatura não-mutilada que faça xixi sentada -- eu incluída, claro. Ensino o Bernardo há mais de seis meses e poucas são as aulas em que o assunto religião não venha à baila de um modo ou de outro, geralmente entre cantadas. Tudo começou com uma aula sobre preferências literárias, na qual ele me disse que seu livro preferido era a Bíblia e me perguntou o que eu achava dela. Respondi sinceramente, dizendo que era um entre muitos outros livros de sabedoria em cujo nome atrocidades injustificáveis são e foram cometidas. Foi o início de um insidioso programa de salvação de minha alma e sedução de meu corpo que me rende muitas reflexões..

O tema da aula passada foi esportes.

"Quem é seu atleta preferido e por quê?", perguntei, seguindo o livro do professor.
"Kaká... porque ele é um bom jogador e porque ele é meu irmão cristão.", respondeu Bernardo, sorrindo.
"Eu pensava que de acordo com as palavras de Jesus, éramos todos irmãos. Isso quer dizer que o fato de eu não ser cristã -- não acreditar que Jesus é Deus -- não faz de mim sua irmã?"
"Nem todos são filhos de Deus, Xochiquetzal."
"Então você não me considera sua irmã, Bernardo? Cara, eu sou pagã e te considero meu irmão. Eu não sou filha de Deus? É isso que você está me dizendo?", não resisti.
"Enquanto você não aceitar Jesus Cristo como seu Deus e Salvador, você é apenas uma criatura de Deus e não filha Dele.", declarou com toda autoridade.
"Cê tá de sacanagem."
"Claro que não. Tá na Bíblia."
"Não tá."
"Tá."
"Da última vez que eu li a Bíblia, Jesus andava com um monte de vagabundos, coletores de impostos e putas. Ele tratava todos como irmãos. Eu não coleto impostos, não vagabundeio e não sou puta. E não sou sua irmã?"
"Não, enquanto não proclamar Jesus como seu Salvador."
Olhei para ele com uma expressão entre divertida e atônita.
"So, dude, question number three... what sport would you like to try and why?"

MIEDO, leitores. E olha que eu sou apenas uma professora de inglês.

Antes eu fosse puta: não me faltariam irmãos.



Perpetually Astonished,

--Xochiquetzal.