sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Who's Gonna Ride Your Wild Horses?


*SIGH* Not you. NEVERMORE.




Xochiquetzal, a Escriba Solitária, volta a se manifestar por pura necessidade confessional -- e tendo que iniciar este post com uma humilhante conclusão:

ESCREVER PRA NINGUÉM LER É RUIM.

ESCREVER SOZINHA É PIOR.

PAGAR PARA ESCREVER SOZINHA E PARA NINGUÉM É O FUNDO DO POÇO LITERÁRIO.

É. Envio esta mensagem de uma LAN house, enquanto meu companheiro da cabine ao lado baba nas fotos daquelas moças bondosas que enchem nosso orkut de mensagens espirituais retiradas de "Minutos de Sabedoria". Que um vírus os leve -- a ele, a elas e aos seus computadores. Meu computador inocente se foi, e estou me submetendo à indignidade de PAGAR para entreter meu público desencarnado.

Mas chega de amargura, chega de rancor, seus filhos-da-puta sem coração. Venho por meio destas mal-traçadas linhas dar a seguinte notícia:

Parei de tomar o lítio. Após meses de desconfortos e inconveniências, zumbizando pela internet e percebendo cada vez mais que muito do que eu estava sentindo (acho que dá para ter uma idéia pelos posts anteriores) era toxicidade de lítio -- cujo nível sérico terapêutico é ridiculamente próximo do tóxico --resolvi olhar a besta nos olhos e parei de tomar o lítio, cold turkey, sem descontinuar. Paguei pra ver, e o resultado foi:

Crianças, não façam isso em casa.

Eu passei mal. MUITO mal. Li no indispensável "Uma Mente Inquieta" de Kay Redfield Jamison que fazendeiros americanos "tratam" carcaças de ovelhas com lítio para se livrarem de coiotes gulosos -- um coiote que tenha provado a carne de uma ovelha temperada a lítio e sobrevivido para contar a história provavelmente terá medo até de chumaço de algodão. Uma bigorna ACME caiu na minha cabeça, eu despenquei de incontáveis ravinas desérticas enquanto o sádico papa-léguas da minha mente fazia BEEP-BEEP sem parar, correndo, correndo.

MAS EU PEGUEI O FILHO DA PUTA.

Alguns dias em espiral descendente depois, eu agarrei o que havia de selvagem na minha cabeça. Como, eu não sei: a abdicação do lítio, a introdução do Trileptal (Oxcarbazepina) na minha dieta de pilulinhas, a remoção do anticoncepcional para que meus hormônios tivessem uma chance de se manifestar e uma sólida decisão de tomar as rédeas de mim mesma conspiraram a meu favor, e eu olhei nos olhos do que me atormentava há anos, do que me doía, do que me devorava e a todos ao meu redor. Sempre pensei que se alguma vez conseguisse identificar, enxergar, tocar, rotular o que me destruía, destruí-lo-ia (Mesóclise: abrace esta idéia). Mas não.

Tive pena da coisinha frágil, do gremlin de mim mesma que esperneava nas minhas mãos, de meus medos bestas, da minha insegurança, do meu desamor, apego, orgulho. Vi minha sombra sob uma luz que revelava sem cegar, e lentamente estou aninhando a criatura em meu peito, aceitando e perdoando o que há de feio em mim, e o gremlin está se transformando em Gizmo.

Awwwww.

Ok, de Papa-Léguas a Gremlins, de Gremlins a Gizmos, e onde entra o U2 do título em tudo isso?

Com a paz de espírito que desfruto pela primeira vez em muito tempo, com a clareza de percepção e aquietação interna, tenho tempo para voltar a estudar minhas línguas, ler meus livros sem a velocidade lancinante de outrora, ouvir música sem o apego doentio ao mesmo artista por meses a fio (Brian Setzer, Stevie Ray Vaughan e Jeff Buckley: sã ou não, vocês jamais sairão do meu mp3player). Voltei a falar com certa fluência o francês e italiano há tanto abandonados, e retomei meu projeto de ler "Cien Años de Soledad", um dos melhores livros EVER, no original espanhol que arrumei por milagre. Estou encantada com a la beleza de las palabras de Márquez.

Voltei a dançar dentro de casa, sem a fúria órfica de antes.

Voltei a cantar, e espero que um dia as bandas que deixei na mão nas minhas marés emocionais me chamem de volta. Ou não. Meus gatos são meus fãs e tenho groupies nas repúblicas da vizinhança.

Voltei a ser eu.

*Lágrima negra de rímel escorrendo pela face nívea*

E, sem o computador para renovar o repertório do meu mp3, decidi revisitar meus velhos CDs da adolescência, abandonados desde que entrei pra faculdade. Resolvi começar o flashback pela banda que foi a trilha sonora da minha adolescência: U2. Peguei um Greatest Hits. "Pride" trouxe memórias, mas nada notável; "New Years' Day" idem. Até que o baixo de "Where The Streets Have No Name" explodiu nos headphones. Foi como estar nos braços da mania novamente, enlevada, transfigurada, estupefata pelo poder de uma canção há muito esquecida cuja letra adquiria um sentido completamente novo, tantas ruas e nomes depois:

I want to run
I want to hide
I want to tear down the walls
That hold me inside
I want to reach out
And touch the flame
Where the streets have no name

I want to feel, sunlight on my face
See that dust cloud disappear without a trace
I want to take shelter from the poison rain
Where the streets have no name

Where the streets have no name
Where the streets have no name
Were still building
Then burning down love, burning down love
And when I go there
I go there with you...
(its all I can do)

The cities a flood
And our love turns to rust
Were beaten and blown by the wind
Trampled into dust
Ill show you a place
High on ta desert plain
Where the streets have no name

Where the streets have no name
Where the streets have no name
Still building
Then burning down love
Burning down love
And when I go there
I go there with you
(its all I can do)

Corri para pegar meu all-time favourite, o álbum "Achtung Baby". Ouvi-o em oração, em transe, sem acreditar na transformação de sentido de cada verso, de cada acorde, na descoberta trazida pelo tempo, esquecimento, dormência e experiência.

When I was all messed up/and I had an opera in my head...


É. Tenho muitos anos pra colocar em dia, muitas feras a amansar, e horas de LAN house a pagar.


Moving in mysterious ways,

--Xochiquetzal.



domingo, 10 de fevereiro de 2008

$#@!%&*!!!




Dezembro passou, levando com ele o escabroso ano de 2007 -- que o dia em que nasceu moura e pereça. Janeiro seguiu seu curso, e meu camarada Atillah não se manifestou. Fevereiro chegou trazendo meus ímpetos suicidas carnavalescos e mesmo assim o blog continuou às moscas.

Três meses de aguda dor interna e eu, lady que sou, dando aos outros a oportunidade da palavra antes de inundar o blog com minhas imprecações bioquímicas e existenciais. E nada. Senti-me uma portuguesa de buço a mirar o horizonte em busca de um amado há muito convocado por Netuno.

E chega domingo, trazendo com ele seu marasmo e desespero amplificados. Rapei o buço, endireitei as costas e murmurei:

VAI TOMAR NO CU GERAL.

Não satisfeita, apelei às minhas raízes mouriscas e desejei suavemente na língua do Corão:

QUE AS PULGAS DE MIL CAMELOS INFESTEM OS SEUS SOVACOS, CÃO INFIEL.

E, ao consultar meu irmão Gabriel, o Sábio, recebi esse bálsamo de aforismo para repetir em minhas noites de solidão:

CHEIRA MEU OVO ESQUERDO.

As pessoas realmente subestimam o poder terapêutico de um xingamento dito com brio. Então mãos ao teclado.

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Queridos leitores, se vocês ainda estão por aqui e não migraram para outros blogs em busca de alimento e abrigo:

Sabe aquele pobrema dos neuvo conhecido como transtorno bipolar? Pois é, eu ganhei um de presente quando nasci e posso garantir que é uma merda. Mas sabe o que é mil vezes pior do que ter transtorno bipolar? É ser tratada por um psiquiatra incompetente por um ano, para descobrir que o medicamento que você estava tomando com mais fé do que as pílulas do Frei Galvão não só não faziam efeito ALGUM em você -- devido à química peculiar do seu cérebro -- como PIORAVAM todos os seus sintomas. Na verdade, três psiquiatras diferentes, caros pra caralho e bem reputados me disseram que se eu tivesse me submetido à TEC (Terapia Eletroconvulsiva) teria sido melhor para mim do que passar um ano tomando IRSs (Inibidores de Recaptação de Serotonina -- os anti-depressivos mais comuns do mercado).

Em Dezembro e Janeiro a coisa atingiu massa crítica. Minhas mãos tremiam como se eu tivesse Parkinson, engordei oito quilos, quase me divorciei (se bem que isso não conta porque em quase me divorcio a cada lua cheia), via (VIA MESMO) pessoas tentando me agarrar à noite (nenhum alto, bonitão e moreno, infelizmente), falava sem parar, o tempo todo, sobre qualquer coisa, com qualquer um, dormia três horas por noite... enfim, a lista de sintomas absurdos segue ad infinitum.

No início do mês de Janeiro fui visitar, ainda totalmente maníaca, um amigo-irmão que estava passando por uma situação-limite na família -- e cuja atitude belíssima em relação a um problema extremo me ensinou uma lição tão gigantesca que chega a ser clichê. A minha situação + a do amigo + más decisões de ordem química = total colapso nervoso. TOTAL.

Eu enlouqueci, perdi o senso das coisas, a razão, tudo. Por horas intermináveis eu não conseguia falar, via o mundo como se refletido em um espelho quebrado, não conseguia controlar minhas funções cognitivas. Cada um dos meus sentidos estava deturpado E funcionando em um timing diferente: eu balbuciava mas só conseguia ouvir o som que produzia depois de um certo delay; ouvia o que era dito pra mim mas só registrava após alguns segundos. A visão, além do efeito fraturado, era horrivelmente borrada, como se alguém houvesse lixado minhas córneas: tudo era iluminado por uma luz horrenda. Meu corpo não era mais meu, mas ao mesmo tempo, em um buraco dentro da minha cabeça, uma parte sã assistia a tudo com horror.

Está aí o resumo do Grand Guignol. Se estou aqui escrevendo hoje é graças à infinita paciência e carinho do amigo que estava comigo, que por horas conversou, me acalmou e mostrou que aquilo poderia passar, guiando-me de volta à sanidade. NUNCA presenciei nada mais delicado e eficiente do que a abordagem dessa pessoa, que manteve a calma em uma situação desesperadora -- para receber uma porrada da vida poucos dias depois. Devo muitas coisas a ele -- minha sanidade passou a ser uma delas.

Thank God t small kindnesses.

Desde então estou de volta, enquanto os médicos brincam de casinha com meu cérebro e resolvem se a coisa tem jeito ou não. Por enquanto, sou louca mansa; acho que se descontarmos o tremor das mãos, a tendência à compulsão, os gestos repetidos mil vezes e a conversa um pouco desconexa eu quase passo por normal.

“'But I don’t want to go among mad people,' Alice remarked.
'Oh, you can’t help that,' said the Cat. 'We’re all mad here. I’m mad. You’re mad.'
'How do you know I’m mad?' said Alice.
'You must be,” said the Cat. 'or you wouldn’t have come here.'”

--Lewis Carroll, Alice in Wonderland

Chemically Yours,

--Xochiquetzal.