A cada dia se morre um pouco.
Bela constatação, perfeitamente óbvia e idiota. Muito mais bela por ser perfeitamente idiota, pois há beleza na estupidez: é como uma folha em branco, imaculada, na qual nenhum fato da vida se grava, uma tabula rasa eternamente a ser escrita, um vir-a-ser que cumpre para sempre a sua função de nunca ser. Bonito isso. Bonito ser estúpido. BONITO, HEEEIN!? “MUITO BONITO, DEZ HORAS DA MANHÃ E AINDA DORMINDO. TÁ ACHANDO QUE A VIDA É SÓ DIVERSÃO?!”
Vai trabalhar, vagabundo.
Mas divago, porque quero fugir do assunto. O que importa é que, seres sem perenidade que somos, desde o primeiro arfar, recém-saído do meio das pernas de alguma mulher, se começa a morrer. Oxigênio, esse algoz: um modafóca disfarçado de herói, tão vital mas ao mesmo tempo tão oxidante; oxidando meus órgãos e aos poucos transformando tudo naqueles pára-choques velhos, cromados, de Brasília 79. Uma Brasília daquelas brancas, onde a ferrugem só faz macular ainda mais a brancura, tornando evidente a deterioração que um dia, com certeza, levará aquela Brasília ao ferro-velho.
Eu sou uma Brasília 79, e a cada dia eu morro um pouco.
Eu sempre morri todo dia e no começo isso até me assustava, mas me disseram que acontece com todo mundo. E se acontece com todo mundo, sabe como é: a gente se acostuma. Parece que o preço de viver é que um dia a diversão toda acaba de uma vez só e você vira adubo. Olha, sé é só isso mesmo, então tá saindo barato. Tem muita gente aí que tá pagando barato e, sinceramente, eles não merecem viver e podiam virar adubo bem antes. Mas isso é outro assunto. Divago. Divago de propósito, pra evitar o assunto principal: a cada dia eu morro um pouco.
Mas agora eu morro mais.
Mas agora eu vivo menos.
Eu era vagabundo.
Morrer mais, viver menos, quisifoda. Que diferença faz? Faz um pouco de diferença, acho. Porque um dia você constata que, se um dia você vai virar adubo, talvez seja, sei lá, LEGAL aproveitar enquanto você não vira. Porque, não tenho certeza, mas acho que vida de adubo não é grande coisa. Tem um tipo de adubo que é basicamente merda de vaca, não tem? Porra, quem quer ser um punhado de merda?
Eu era vagabundo. Eu me sentia bem.
Agora eu me sinto um punhado de merda, cinco dias por semana, das oito às seis. Mas com benefícios e, pasmem, plano odontológico. Eu nem sabia que usavam dente pra fazer adubo.
É, um gosto de merda na boca sabem? Todo dia. Vai ver eu já tô morrendo e virando adubo. Eu trabalho e me sinto um merda. Mas a gente se acostuma. Parece que acontece com todo mundo. Parece que esse lance de viver tem dessas coisas, de você não poder viver direito, porque em pelo menos umas oito ou nove horas do seu dia você precisa se sentir um merda, e não viver. Não dá pra viver e ser adubo ao mesmo tempo. Mas então, você vive mais ou menos metade do dia, morre durante a outra metade e, como bônus, ganha dois dias livres na semana. Ainda é um bom négocio? Viver tá saindo mais caro agora. Tá meio a meio. Tá elas por elas. Tá uma merda. Adubo. Bonito, hein?
Eu falava de idiotas e estúpidos. E vagabundos. Escória. Vou adicionar os imbecis. Porque, olha só, qualquer imbecil pode ver que não tá sendo um bom negócio esse lance aí de viver pouco mais da metade do tempo e virar merda no tempo que sobra. Tá meio caro. Bonito hein, vagabundo? Jogando merda no carro, hein? Depois a Brasília 79 fica toda enferrujada e quero ver quem vai comprar. Não tem conserto não, minha senhora. Deu problema na rebimboca da parafuseta, melhor mandar pro ferro-velho e comprar uma nova. Ninguém quer andar em carro velho.
Mas a gente se acostuma. Se acostuma a morrer.
love grace tolerance
Atillah
Um comentário:
Great!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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