sexta-feira, 23 de maio de 2008

O Gato de Alice



“One day Alice came to a fork in the road and saw a Cheshire cat in a tree. Which road do I take? she asked. Where do you want to go? was his response. I don't know, Alice answered. Then, said the cat, it doesn't matter.”


Ela tarda, mas não falha. Depois das primeiras semanas de novidade e euforia, de trabalho frenético e tentativas de adaptação ao meu novo habitat, ei-la agachada diante das portas da minha percepção, dentes cintilantes expostos no esgar maníaco do Gato de Alice: a depressão.


É uma besta sutil.Passos silenciosos, felinos: irritação contínua perante a vida. Um. Alheamento, sensação de que nunca estou onde estou. Dois. Desconforto físico e emocional, minha pele apertando a alma como um jeans dois números menor, o espírito recolhendo-se, contraindo-se caramujamente na viscosidade da concha de um crânio que não o comporta mais. Três. O crescendo de um desprezo virulento contra quem eu sou e contra tudo o que é para mim. Quatro. A vida como um permanente susto, o gelo que paralisa o plexo solar, o desespero diante de minha total incapacidade de sentir, ver, amar o que seja. Meow.


"We're all mad here. I'm mad. You're mad."


E numa manhã vejo-me mirando suas pupilas verticais através do espelho, meu sorriso quebrado naquela meia-lua afiada, contornos desaparecendo, escoando pelo ralo rumo aos subterrâneos de minha consciência. Meow, pergunto-me se a fera diante de mim será visível às pessoas que vivem do Outro Lado. Espero que não. Rezo baixinho a uma presença indefinível para que não. Maquiagem ajuda. Lipstick, eyeliner, mascara. Mascara. The Cheshire Cat toma seu banho de gato para representar seu papel coadjuvante no Teatro do Absurdo do cotidiano. "Mirror mirror on the wall, who's the fairest of them all?"


Saio sob um sol esplendoroso -- maldito dia aziago -- a luz dói. Bom dia, tudo bem, olhe só que dia lindo -- grande merda. Tomo a van para o trabalho e surpreendo-me ao ouvir Alceu Valença em vez do onipresente Créééééu: "A solidão é fera/ A solidão devora/ É amiga das horas/ Prima-irmã do tempo/ E faz nossos relógios caminharem lentos/ Causando um descompasso no meu coração... solidão." Ronrono de empatia -- que em dias através do espelho só é despertada pela música.


Entro em uma fase 50's em busca de santuário para minhas emoções foragidas: Gene Vincent, Buddy Holly, Little Willie John, Bo Diddley e Eddie Cochran espantam meus males ainda que temporariamente.





“And the Cheshire Cat vanished quite slowly, beginning with the end of the tail, and ending with the grin, which remained some time after the rest of it had gone."


Be-bop-a-lula, motherfucker.


Grinning,

--Xochiquetzal.

3 comentários:

Anônimo disse...

Nada como a arte!!!

Bel disse...

faz uns três dias seguidos que venho aqui prá ver se você atualizou. valeu a pena esperar... nunca li um texto igual. que coisa interessante essa sua maneira de descrever o início de uma depressão, literariamente falando.
anyway, don't let yourself down. quem é mais forte, você ou a droga de um gato?
rosne bem fundo e dê um pontapé na bunda dele!
xxxx

Anônimo disse...

Obrigada Reverendo, obrigada Bel.

*ronrona suave*

*esfrega-se em suas pernas*

Meow, dammit =)