I'm not there poster
1992. Sala de estar da minha casa. Minha mãe, brandindo o CD Bob Dylan Greatest Hits que eu havia surrupiado das Lojas Americanas com a sua fúria de matrona italiana, despeja litros de culpa destilada sobre minha cabeça contrita, sob o olhar satisfeito de meu irmão, nêmesis e delator:
1992. Sala de estar da minha casa. Minha mãe, brandindo o CD Bob Dylan Greatest Hits que eu havia surrupiado das Lojas Americanas com a sua fúria de matrona italiana, despeja litros de culpa destilada sobre minha cabeça contrita, sob o olhar satisfeito de meu irmão, nêmesis e delator:
"Roubar é feio é pecado Deus castiga as crianças que roubam minha Virgem como é que você logo você minha única menina me faz uma coisa dessas quem ficar sabendo nem vai acreditar que você é filha minha que vergonha o que mais você deve estar fazendo pelas minhas costas daqui a pouco vai estar usando drogas isso se você já não tiver arrumado um namorado qualquer e perdido sua pureza eu já suspeitava que você fumava maconha agora que sei que você ouve essas porcarias de Bob Marley (sic) é verdade mesmo ai meu Jesus que decepção nunca imaginei que um filho meu fosse dar pra ladrão você mata a sua mãe de vergonha..."
Escuto de cabeça baixa, planejando a morte lenta e dolorosa de meu irmão, tentando parecer arrependida sem muita convicção, até que minha mãe chuta meus colhões espirituais:
"DEIXA SEU PAI CHEGAR EM CASA E FICAR SABENDO DISSO."
Aos doze anos de idade não havia nada que eu temesse mais do que a ira do meu pai; capaz de reduzir a auto-estima de uma adolescente gorda, rebelde e inteligente demais para seu próprio bem a quarks com meia dúzia de palavras bem-escolhidas, seus esporros ecoam na minha mente até hoje, quando as marcas das chineladas, surras de tamanco e outros métodos pedagógicos de minha mãe são coisa do passado.
Evoquei o gérmen do talento dramático que me acompanharia com sucesso pela vida afora e me debulhei em lágrimas. Prisão sim; ira divina sim; Inferno sim, opróbrio sim, rechaço materno sim – ESPORRO não. Chorei, pedi desculpas, prometi devolver o CD no dia seguinte, não pegar recuperação em Matemática, parar de comer todos os biscoitos recheados da casa, fazer a Primeira Comunhão, tirar meus posters do Guns N’ Roses e Led Zeppelin do quarto, rastejei da forma mais abjeta para o deleite do meu dedo-duro. Muitas lágrimas depois, recebi minhas penitências, me livrei da ira paterna... ... e de algum modo contrabandeei o CD do Bob Dylan de volta para o meu quarto, onde ouvi-o clandestinamente por meses ininterruptos até a exaustão.
Ao revirar meus pertences enquanto preparava minha mudança, me deparei com o mesmíssimo CD coberto de pó de cupim, enfiado entre caixas de trabalhos escolares. Peguei-o, limpei-o e escutei-o dezesseis anos depois, deliciada com a poesia da música, com lembranças de minha adolescência já sedenta de lirismo, e espantada com o fato de uma gordinha de doze anos ter arriscado a honra da família, um infarte da mãe, o desprezo do pai que só seria cicatrizado por anos de terapia (e o olhar de superioridade do irmãozinho babaca) para roubar um CD do Bob Dylan.
Aos doze anos eu era uma fora-da-lei, roubando poesia dos ricos para dar a mim mesma.
Senti orgulho da gordinha larápia. Bob Dylan é o cara.
Momento confessionário terminado, a descoberta do fóssil de Bob Dylan dentre os escombros de meus pertences coincidiu com minha recente obsessão pelo gênio dramático E ícone de perfeição masculina Christian Bale. Discorrerei sobre o novo objeto de meu afeto e atenção em um próximo post, mas por enquanto basta mencionar que ao percorrer a brilhante obra cinematográfica de Bale – com destaque para a perfeição de "American Psycho", "The Machinist" e "Rescue Dawn" – fiquei sabendo de sua participação na biopic de Dylan, "I’m Not There". Permaneço sem internet e alheia a tudo ao meu redor, e a descoberta do filme reabriu uma ferida de dezesseis anos, trazendo o gênio de Dylan de volta à minha vida com a fúria de uma pedra rolante.
Estou apaixonada por Bob Dylan, por Christian Bale que é Jack Rollins que é Bob Dylan que sou eu e somos nós, o que quer que sejamos. Ouvi meu pobre Greatest Hits – Like a Rolling Stone, Lay Lady Lay, It Ain’t me, Mr. Tambourine Man, Subterranean Homesick Blues – até os moleques da república do andar de baixo começarem a ouvir o "Créu" em retaliação.
Meu CD foi embora com a mudança e fico com as letras de consolo na memória, abismada pela capacidade de certas pessoas serem iluminadas ao ponto da implausibilidade. Como pode? Quando iluminação, genialidade e talento vêm aliadas à harmonia estética (do meu peculiar ponto de vista), como no caso de Christian Bale, Bob Dylan, Jeff Buckley e tantos outros que habitam meu harém mental, eu perco o senso.
Homem pra ser homem tem que provar o seu valor, como diria minha amiga Kari; um rosto bonito/corpo perfeito não capturam minha atenção por mais de um segundo. Trocaria uma noite com, digamos, David Beckham por uma hora em um café com Buckley, Setzer ou Dylan; todos os Gianecchinis deste mundo pelos sonhos de Neil Gaiman, pelos rapazes do Monty Python, pela soledad de García Márquez.
Meu reino pela luz dos olhos de um homem inteligente.
They are not here, either.
Like a Rolling Stone,
--Xochiquetzal.
2 comentários:
Hoje em dia não existe mais cultura musical, é só creu creu creu mesmo.
E realmente, homem tem que ser inteligente, hoje em dia com tanta abreviação fica difícil de se achar alguem realmente legal e interessante . As mulheres são quase sempre mais cultas , pelo menos eu sempre vejo elas falando/escrevendo certo...
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