sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Lendo Fagner ao Som de Darwin, ou Considerações sobre os (Possíveis) Efeitos Deletérios da Agricultura Celeste



As chuvas de primavera trouxeram o desabrochar em massa da flor do pasto, inculta e bela.



...logo, desde que começou a chover transformei-me numa pessoa deveras abstrata e etérea. Foram semanas sem dúvida interessantes, durante as quais analisei a vida, o universo e tudo mais de um ponto de vista caleidoscopicamente divertido, mas cansei: ontem acordei cedo, tomei borra de café para recobrar os sentidos, sentei-me ao sol para tirar o cheiro de mofo de minhas abundantes dobrinhas e levei uma bifa da realidade ao me deparar com as consequências da maldita chuva: perdi a conta das coisas que deveria (ou não) ter feito esse mês e não fiz because I got high, tipo aquela música:

Had to catch up with my work and I didn't
Because I got high
Was supposed to see my family and didn't
Because I got high
Lost count of movies I've seen, albums I've listened
Because I got high
Been eating crap for weeks and my pants don't fit me
Because I got high
500 bucks disappeared and I don't know how
Because I got high
Got three extra cats in the house and I wonder why
Because I'm not high, because I'm not high, because I'm not high

(tchu-ru-ru-tchu-tchu-ru-ru...)


Maldita chuva: passei horas incontáveis grudada ao sofá, rindo de Mr Show, Monty Python, George Carlin, Bill Hicks e Dave Chapelle. Assisti a mais filmes do que consigo lembrar, ouvi mais álbums que pude assimilar... o que não deixa de ter seu lado interessante, ao transformar minha vida em um continuum de infinita novidade: como minha memória deixa a desejar, tudo que vejo, leio ou ouço é absorvido como se fosse visto, lido ou ouvido pela primeira vez. Clássicos de meu acervo cultural, como How High, Boondock Saints, Appetite for Destruction ou Don Quijote ganham vida, tudo me é inédito -- como se eu fosse um peixinho dourado nadando em círculos dentro de um aquário implausivelmente decorado.



"OMG! Look at that treasure chest! Bubbles come out of it when the lid goes up, ROFLMAO! WTF, I could swear this pirate ship wasn't here five minutes ago! How interesting! Look, a treasure chest! Bubbles! LOL this place is awesome! Dude!! PIRATES!!!!!"

Mas cansa ser um peixe mergulhado no límpido aquário de Deus, borbulhando amorosamente diante do encanto do mundo, noites em claro passadas dentro de mim. Assim que reaprendi a usar minhas pernas, rastejei para fora das águas da psicodelia e salamandro por aí, ainda dependente do meio líquido que me engendrou mas almejando ambientes mais secos, estáveis, reptilianos.

Sangue quente, coração dividido em quatro câmaras, viviparidade e glândulas mamárias, aqui vou eu. Até enjoar disso tudo e voltar para o caldo primordial, começando tudo de novo, lá e de volta outra vez, unicelular e partenogenésica.



Mas nem só de iluminação fúngica e êxtases místicos vive Xochiquetzal: continuei a lecionar normalmente enquanto criatura pisciforme -- com resultados variando do desastroso ao cômico. Comprei um violão, encontrei um professor e dedico-me ao instrumento diariamente; comprei coisas, paguei contas, curei-me de uma infecção sinistra com o poder do pensamento positivo e adotei três gatinhos de duas semanas de idade que um filho da puta abandonou em frente ao meu prédio. Aos detratores de meu estilo de vida alternativo fica a evidência da correria que é o meu dia-a-dia: acordar cedo para dar mamadeira aos gatinhos, tocar violão, ler alguma coisa, pensar em ir à praia e decidir em contrário por falta de companhia, tomar banho, ouvir música, dar mamadeira para os gatinhos, varrer a casa, ir trabalhar, lecionar por sete horas sem muita idéia do que estou fazendo mas com resultados assim mesmo, voltar pra casa, dar mamadeira para os gatinhos, corrigir provas, ouvir música, tocar violão, ver filme, jogar Mario Kart no Nintendo 64, ir dormir.

Claro que me preocupo com coisas. Penso bastante no que vai acontecer com minhas dívidas, no fato de minhas roupas não caberem mais em mim, que Patrick Swayze morreu e só fiquei sabendo ontem (Roadhouse é um dos filmes que vi ad nauseam quando adolescente), no que consiste a verdadeira felicidade...



...mas no momento concentro meus esforços em encontrar lares decentes para essas três criaturinhas antes que me apegue demais a elas e dê início a uma carreira exponencial de crazy cat lady.

Digivolvendo silhuetas de amor à luz da lua,

--Xochiquetzal, Survivor Among the Maddest.


4 comentários:

Anônimo disse...

As duas fêmeas laranja morreram.

Estou arrasada. PUTAQUEPARIU.

Não me conformo.

Ficaremos com o siamesinho, já devidamente batizado de Nikola Tesla.

Shaking her fist at the skies,

--X =(

Unknown disse...

Linda, adorei isso tudo! Sabe que tenho Cansaço que se identificou com a sua narrativa? Quando terminei de ler ele suspirou de compreensão e sorriu bobo. São vidas para viver dentro do tempo de uma vida só! Não liga não, ando sem dormir direito. Vou seguir você, digo, o seu blog, achei bom!

Sinto muito pelos gatinhos, e peço que sobrevenha ao filho-da-puta que os abandonou fim de mérito pelo feito. Amém

Beijos e até,
Love,
Elis

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
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