terça-feira, 29 de abril de 2008
The Freeloader's Guide To Easy Living: Drinking
Our blog is exceedingly proud to present to its five or so readers this masterpiece of modern cinematics, courtesy of our official sidekick blogger: TC!
The Freeloader's Guide To Easy Living: Drinking
I'll write more when I stop laughing. I wish I were a drinker.
Lolling,
--Xochiquetzal =)
sábado, 26 de abril de 2008
Ascensão e Queda da Mulher Impermeável, ou: a Rejeição da Autora Enquanto Oferenda para Iemanjá
Tendo mudado para um apartamento perto da praia, fui aos poucos me acostumando com a realidade fanstástica e o mundo paralelo dos seres abençoados pela proximidade do oceano. Passei alguns dias confusos caminhando pela areia e deixando a maresia emaranhar meus cabelos; pouco a pouco fui me aventurando a sentar perto da arrebentação e olhar o céu, embasbacada pela realização de que aquilo ali era a minha casa, que eu não estava ali de férias, que o sol atrás de mim e a lua nascendo feito uma laranja atômica sobre o mar eram reais. Então resolvi entrar na água.
Desencavei um maiô azul que devia ter zégzy na época da minha mãe (e que ficava entrando na minha bunda) e parti rumo ao oceano, num dia nublado cheirando à chuva. Não havia viv'alma (HA! Sempre quis usar essa palavra!) na praia, muito menos na água. As ondas não eram ameaçadoras, mas para a minha memória de menina do Rio, não eram nada a se temer. Enquanto meu marido catava conchinhas (sério), tirei a canga, exibindo minhas formas calipígias e minha tez translúcida para as gaivotas e os dois cães vadios que vivem por ali, e caminhei para a arrebentação.
O momento em que as ondas começaram a lamber meus tornozelos desencadeou um dos flashbacks mais possantes que tive em toda a vida, algo comparável às madalenas de Proust, talvez. O cheiro do sal, o balanço da maré -- foi como ser criança de novo, não ter preocupações de novo, ser sã de novo, estar inteira de novo. Acho que tinha o sorriso mais radiante do mundo no rosto, e sinceramente dei graças a Deus por estar ali, naquele momento, naquele ponto da Terra, viva, respirando. A água bateu nos meus joelhos. Comecei a pensar em Iemanjá e em quão bela é a idéia da Rainha do Mar. A água chegou ao meio das minhas coxas. Memórias da Bahia lavaram meu crânio em água salgada. Acho que estava rindo alto. A água chegou à minha cintura.
E, de repente, eu estava submersa, enfiada em um vão ou banco de areia, sendo puxada para baixo por uma corrente poderosa. Lembro-me de não ter me desesperado: mantive a calma enquanto tentava discernir a luz do céu embaixo d'água e nadei em direção dela -- para ser sugada para baixo novamente, e então arremessada para a frente por uma onda gigantesca , totally out of the blue.
Onda após onda, corrente sobre corrente, me embaralhei, fui embaralhada, me perdi. Não sabia mais para onde ir, onde era o alto e onde era o fundo, como respirar. Foi como ser uma boneca de trapo da gigante máquina de lavar de Deus. Algumas vezes eu conseguia subir à superfície e respirar um pouco de ar misturado à água dos meus pulmões, e ver que estava sendo rapidamente carregada para longe da arrebentação, into the wild blue yonder. A força do mar me puxava, me empurrava, me jogava para cima e para baixo; bati a cabeça contra o fundo -- de areia, ou não estaria escrevendo esse post -- incontáveis vezes. Meu maiô estava na cintura; eu tinha sal e desespero nos pulmões. Pensei que iria morrer.
Em algum momento ouvi meu marido gritando da praia, perguntando se eu estava bem; de algum modo consegui gritar um "SIM!" em resposta, ou ele teria ousado um resgate e teríamos sido duas oferendas à Iemanjá. Lembro-me de sua risada histérica enquanto assistia ao que devia ser um espetáculo de bunda, pernas, braços e cabelos cobertos de alga aparecendo e reaparecendo -- afinal, ele havia ouvido minhas estórias de poder natatório inúmeras vezes e acreditava que eu era o Príncipe Submarino em pessoa. Sorte nossa.
Depois da risada veio a primeira inalação total de água. Fechei os olhos e afundei. Tudo ficou quieto -- as batidas do meu coração, o aperto no peito, o rugir das ondas sobre a minha cabeça -- todo som havia cessado. Então abri os olhos -- e o que vi foi lindo.
Do ponto onde eu estava, podia ver as ondas passando uma após a outra sobre a minha cabeça, filtrando a luz do sol poente e a decompondo de modo fantástico, renda tremeluzente de verdes e azuis. Tudo era silêncio e luz. Perdi a noção de onde estava e do que estava acontecendo comigo; acho que estava morrendo.
Dizem que quando você morre a sua vida passa pelos seus olhos. Eu sempre pensei que a morte traria consigo algo de sublime, que eu pensaria nos meus entes queridos, nos meus poemas preferidos, que compreenderia afinal, que teria uma epifania que justificasse toda a dor e o sofrimento de minha caminhada pela Terra. Pensava que me arrependeria dos meus erros, ansiaria pelos meus amores... mas não. Enquanto eu estava em estupor, morrendo no leito do oceano, assistindo absorta às ondas que marcavam o compasso do meu coração desesperado, a única palavra que me veio à mente foi:
MAIOMUSTAIANAYSTARD
Isso me sacudiu do meu estupor -- coé, de modo ALGUM eu morreria com uma mistura de maionese e mostarda como meu pensamento derradeiro. Fiquei indignada com meu próprio ridículo, e de algum modo consegui nadar/rolar/boiar até a praia, onde cheguei seminua, rindo, chorando e vomitando água salgada. Não sei como cheguei até lá. Lembro de estar de joelhos tossindo e do meu marido correndo, rindo, até mim -- até perceber meu estado, o que havia realmente acontecido e parecer indeciso entre rir ainda mais e verificar se eu estava bem.
Ainda não acredito que juntei mais uma near-death experience à minha coleção. Ainda não acredito que fui burra a ponto de entrar numa praia desconhecida em um dia que prometia borrasca, e que sobrevivi para contar a estória. Poucas vezes me senti tão humilhada -- pela força do oceano, que me colocou de joelhos, pelo meu próprio orgulho imbecil em uma habilidade que não estava mais lá, pela vida e pela morte, pelo absurdo dos meus pensamentos finais. Lá estava eu, seios à mostra, areia em orifícios do meu corpo que eu nem sabia que existiam, pulmões, estômago, ouvidos ardendo de sal.
Quase dei uma de Jeff Buckley pra cima de mim mesma e de todos que me amam; e quase consegui fazer parte do infame grupo dos que morrem de forma bizarra aos 27 anos de idade, sem a menor intenção e sem ao menos estar sob a feliz influência de algum composto químico.
Quatro dias depois de Iemanjá ter me recusado como oferenda, todos os músculos do meu corpo doíam insuportavelmente, não obstante a quantidade avassaladora de relaxantes musculares que eu tomei. Não conseguia me recordar do esforço que fiz para ficar viva, mas meu corpo fez questão de me lembrar por mais de 96 horas de desconforto espartano. Ainda sai areia dos meus ouvidos quando eu uso cotonetes.
E tudo que me veio à mente foi "MAIOMUSTAIANAYSTARD"
Acho que já me recuperei do choque. Meu marido me disse que a coisa toda não durou mais do que quinze minutos -- me pareceu uma eternidade.
O tempo voa quando se está morrendo.
Vi-me forçada a repensar muita coisa desde meu (des)encontro com Iemanjá. Meu relacionamento amoroso com o mar é uma delas -- minha confiança furiosa em minhas próprias habilidades é outra. Vai ver que não sou o ápice da perfeição como no fundo, no fundo, realmente no fundo, sempre pensei que fosse.
Odoyá, minha mãe.
Happy to be writing this,
--Xochiquetzal.
Top Songs to Listen to When You're Drowning:
"Drown in My Own Tears" - Ray Charles
"Grey Ghost" - M. Doughty
"Tangled Up in Blue" - Bob Dylan and...
"Knocking on Heaven's Door" - Bob Dylan (sorry, I can't help it)
sexta-feira, 25 de abril de 2008
A Hard Rain's A-Gonna Fall
Acho que vou querer ser Bob Dylan para sempre.
Anyway, dei uma passadinha aqui apenas para partilhar um achado com vocês que falam inglês (e aos que não falam, meu extremo pesar enquanto profissional do ramo):
A hard rain's a-gonna fall
Oh, where have you been, my blue-eyed son?
Oh, where have you been, my darling young one?
I've stumbled on the side of twelve misty mountains,
I've walked and I've crawled on six crooked highways,
I've stepped in the middle of seven sad forests,
I've been out in front of a dozen dead oceans,
I've been ten thousand miles in the mouth of a graveyard,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, and it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.
Oh, what did you see, my blue-eyed son?
Oh, what did you see, my darling young one?
I saw a newborn baby with wild wolves all around it
I saw a highway of diamonds with nobody on it,
I saw a black branch with blood that kept drippin',
I saw a room full of men with their hammers a-bleedin',
I saw a white ladder all covered with water,
I saw ten thousand talkers whose tongues were all broken,
I saw guns and sharp swords in the hands of young children,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.
And what did you hear, my blue-eyed son?
And what did you hear, my darling young one?
I heard the sound of a thunder, it roared out a warnin',
Heard the roar of a wave that could drown the whole world,
Heard one hundred drummers whose hands were a-blazin',
Heard ten thousand whisperin' and nobody listenin',
Heard one person starve, I heard many people laughin',
Heard the song of a poet who died in the gutter,
Heard the sound of a clown who cried in the alley,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.
Oh, who did you meet, my blue-eyed son?
Who did you meet, my darling young one?
I met a young child beside a dead pony,
I met a white man who walked a black dog,
I met a young woman whose body was burning,
I met a young girl, she gave me a rainbow,
I met one man who was wounded in love,
I met another man who was wounded with hatred,
And it's a hard, it's a hard, it's a hard, it's a hard,
It's a hard rain's a-gonna fall.
Oh, what'll you do now, my blue-eyed son?
Oh, what'll you do now, my darling young one?
I'm a-goin' back out 'fore the rain starts a-fallin',
I'll walk to the depths of the deepest black forest,
Where the people are many and their hands are all empty,
Where the pellets of poison are flooding their waters,
Where the home in the valley meets the damp dirty prison,
Where the executioner's face is always well hidden,
Where hunger is ugly, where souls are forgotten,
Where black is the color, where none is the number,
And I'll tell it and think it and speak it and breathe it,
And reflect it from the mountain so all souls can see it,
Then I'll stand on the ocean until I start sinkin',
But I'll know my song well before I start singin',
And it's a hard, it's a hard, it's a hard, it's a hard,
It's a hard rain's a-gonna fall.
*remembers to breathe*
*sigh*
sábado, 12 de abril de 2008
I'm Not There Either
1992. Sala de estar da minha casa. Minha mãe, brandindo o CD Bob Dylan Greatest Hits que eu havia surrupiado das Lojas Americanas com a sua fúria de matrona italiana, despeja litros de culpa destilada sobre minha cabeça contrita, sob o olhar satisfeito de meu irmão, nêmesis e delator:
Escuto de cabeça baixa, planejando a morte lenta e dolorosa de meu irmão, tentando parecer arrependida sem muita convicção, até que minha mãe chuta meus colhões espirituais:
Aos doze anos de idade não havia nada que eu temesse mais do que a ira do meu pai; capaz de reduzir a auto-estima de uma adolescente gorda, rebelde e inteligente demais para seu próprio bem a quarks com meia dúzia de palavras bem-escolhidas, seus esporros ecoam na minha mente até hoje, quando as marcas das chineladas, surras de tamanco e outros métodos pedagógicos de minha mãe são coisa do passado.
Aos doze anos eu era uma fora-da-lei, roubando poesia dos ricos para dar a mim mesma.
Senti orgulho da gordinha larápia. Bob Dylan é o cara.
Momento confessionário terminado, a descoberta do fóssil de Bob Dylan dentre os escombros de meus pertences coincidiu com minha recente obsessão pelo gênio dramático E ícone de perfeição masculina Christian Bale. Discorrerei sobre o novo objeto de meu afeto e atenção em um próximo post, mas por enquanto basta mencionar que ao percorrer a brilhante obra cinematográfica de Bale – com destaque para a perfeição de "American Psycho", "The Machinist" e "Rescue Dawn" – fiquei sabendo de sua participação na biopic de Dylan, "I’m Not There". Permaneço sem internet e alheia a tudo ao meu redor, e a descoberta do filme reabriu uma ferida de dezesseis anos, trazendo o gênio de Dylan de volta à minha vida com a fúria de uma pedra rolante.
Homem pra ser homem tem que provar o seu valor, como diria minha amiga Kari; um rosto bonito/corpo perfeito não capturam minha atenção por mais de um segundo. Trocaria uma noite com, digamos, David Beckham por uma hora em um café com Buckley, Setzer ou Dylan; todos os Gianecchinis deste mundo pelos sonhos de Neil Gaiman, pelos rapazes do Monty Python, pela soledad de García Márquez.
Meu reino pela luz dos olhos de um homem inteligente.
They are not here, either.
Like a Rolling Stone,
--Xochiquetzal.
Liberdade Que Será Também...
...liberdade, ainda que tardia. Após onze anos de trabalho forçado nas profundezas das Minas Gerais, garimpando pepitas de existir sem êxito, exausta, exilada de mim mesma e dos meus, vi a famosa luz no fim do túnel – que acabou não sendo a de um trem correndo em minha direção – e cavei a mãos nuas meu caminho em direção a ela. Removi com tocos sangrentos de unha as últimas rochas que impediam minha passagem e me encontrei piscando ao sol, cega como um peixe abissal, pele fluorescente coberta de musgo, cabelos emaranhados de líquen, embasbacada por existir e chocada ao descobrir que a alegoria da caverna de alegoria não tem nada.
Saí ao sol.
Passei duas semanas frenéticas, resolvendo problemas de devolução de chaves, burocracia de apartamento, contas a pagar e receber, despedidas comoventes de alunos, quatro horas de sono por dia e um consumo de calorias digno de triatleta. Se cheirar açúcar trouxesse alguma gratificação, estaria consumindo carreiras do mais puro União na clandestinidade de uma padaria de esquina. Se minha mudança não estivesse tão próxima, estaria diabética, incapaz de amarrar os cadarços e completamente tomada por essa droga que é o açúcar refinado, roubando para comprar bombinhas de doce de leite e trocando favores sexuais por doses de chocolate, por mais malhado de parafina que fosse. A que ponto chegaste, Xochiquetzal. Uma menina com um futuro tão promissor, entregue aos antros de ópio das docerias de Minas.
Mas eu vi a luz, irmãos de blog.
Quilos e olheiras a mais, paciência e sanidade de menos, comecei a tatear o labirinto de concreto que conheci como lar sem emoção alguma, como quem observa o rosto adormecido de um amante pelo qual já não se sente mais nada. Meus adeuses não me comprimiram o peito; acariciei a pele dessa cidade comatosa na ânsia de desligar-me dela, de observar sua pulsação desaparecer num traço contínuo causado pela ausência de mim. Removerei o pó das sandálias ao subir no ônibus que me levará para fora daqui sem resquícios nem memórias, deixando para trás o esboço de uma vida insana e a esperança de rever meus companheiros de cativeiro sob o calor que me espera.
Subo a corrente do Rio de minhas origens, pesada e prenhe, para desovar ali minhas esperanças. Não a Cidade-Desespero da qual fugi aos dezesseis anos, mas a Costa Azul do estado onde nasci, entre o mar e as montanhas, numa cidade de sonho, um misto de Macondo e Pasárgada que me faz rir das sombras da Gotham que abandono. Ainda não estou acreditando que estou realmente saindo daqui, com malas feitas, gatos e amado me esperando do outro lado, meus livros devorados pelo mofo inclemente da Princesa de Minas encaixotados... como pode?
Finalmente entendo os pássaros que permanecem nas gaiolas com a portinhola aberta, olhando embasbacados o mundo ao seu redor.
Como pode?
Starting all over, restarting, rebooting. Queimarei as memórias úmidas de meu cárcere e reescreverei minhas rimas na areia da praia.
Saio de Minas para entrar para a História.
BANG!
--Xochiquetzal =)