segunda-feira, 20 de julho de 2009

Cobain Digivolve-se Para Caymmi, ou Breve Ensaio Sobre a Saudade






"Home is where your heart is. It's about time I put more heart and less brains in (on?) my surroundings." - X., July 2009

São três minutos depois da meia-noite de segunda, 20 de julho de 2009 -- há três minutos que meu final de semana fantástico acabou e vejo-me forçada, ainda que sob condições adversas de temperatura e pressão, a blogar minhas peripécias antes que estas se percam na neblina da minha cabeça.

"Babe, o Porquinho Atrapalhado na Cidade Grande" -- na minha opinião, uma daquelas obras -primas cinematográficas que passam batido quando não se tem o hábito de assistir TV aberta bêbada em noites de domingo -- está passando na Record. Meus tatus têm "Babe" em grande conta.

Mas então. As peripécias urbanas de Babe são apenas a cereja alucinógena do sundae de loucura sabor maresia que foram minhas últimas 48 horas na Região dos Lagos -- sobremesa existencial vinda bem na hora em que a vontade de largar o caos fluminense e voltar a Minas bate forte como nunca.

As saudades de Juiz de Fora vieram junto com a estréia bloguística de meu irmão de fé Gabriel Lobo, afiando a faca amolada de seu cérebro cintilante nos teclados em vez das habituais cordas de violão. Bem-vindo à blogosfera, Gabriel, e ao mundo dos que sentem saudade.

Sinto saudade da saudade que você evoca com teclas & cordas, das madrugadas geladas, da cantoria dos bares, dos estudantes cobertos de tinta e farinha, do anão flamenguista do calçadão, das afrontas da véia da buchinha, do festival de bandas novas, das pessoas bonitas, do Miss Gay. Do tiozinho do violino desafinado, dos macaquinhos do Parque Halfeld, dos policiais mais camaradas do Brasil, dos travestis da Rua Santa Rita. De chorar desconto com o dono da Livraria Liberdade, de comer um hambúguer no Mary Milk depois da noitada, de horrorizar-me com o "Dawn of the Dead" de fim-de-rave... Dos estudantes lutando pelo meio-passe há mais de década, do mural de Portinari desafiando a rotina no centro, de caminhar sozinha às quatro da manhã sem mais sobressaltos do que uma cantada mais ousada, da música colonial nas igrejas, das vacas atoladas, das nobres capivaras reunidas à beira do rio Muriaé (?), dos bandos de maritacas que me acordavam às seis da manhã.

Sinto falta da invejável coleção de pessoas inusitadas que amealhei por lá: a musicista pequenina que contém multidões, a estudante de Farmácia com sua crença xiita em processos bioquímicos, o advogado com as asas de Mercúrio tatuadas nos pés, a acadêmica dividida entre Backstreet Boys e Metallica, a assistente social lipoterapeuta e sua trupe Cazuzinha, o rapaz que chutava pombos quando ninguém estava olhando, a oficial de justiça budista, o fumante-inveterado-convertido-em-ciclista, o percussionista movido a lítio...

Uma saudade de degredo, uma saudade expatriada. Juiz de Fora me dói na prática, logo em mim, campeã teórica da dor de um exílio até então experimentado somente nos versos de outros. A saudade verbo se faz carne em mim a cada pensamento das montanhas de Minas, a cada baforada sabor metástase que me dá vontade de largar tudo o que tenho (?) aqui para voltar e começar tudo de novo lá.

But I'm not there, I'm gone.

*abre mais uma Itaipava, fuma mais um Marlboro, suspira*

Eu estou acabando comigo A Região dos Lagos está acabando comigo. Há 14 meses que a minha vida transformou-se em cigarettes and alcohol, sedentarismo compulsório sob o sol de um banzo insuportável que às vezes atinge massa crítica. E logo quando acho que não dá mais, vivo dias de glória tropical que fazem tudo valer a pena, como o fim de semana que tinha intenção de narrar nesse (mais um) post alcoolizado antes de perder completamente o fio da meada ao tentar acompanhar os tatus.

Fim de semana lagarteando nas areias da lagoa, catando conchas com os amigos, fim de semana de pele grudenta de sal e o chão sujo de areia.

Passei a tarde sentada num rochedo à beira-mar, tomando sol de mormaço e contando tartarugas na água. HECK, eu SEGUREI uma tartaruga-marinha nos braços hoje enquanto ajudava pescadores a retirar de sua barbatana o anzol e a linha que a trouxeram até a praia. Bel, amiga que tanto se encantou com os rebanhos de tartarugas daqui: eu tive uma delas no colo, sista. Senti sua pulsação nas mãos, corri meus dedos sobre a aspereza suave da carapaça, mirei olhos antiquíssimos que piscavam lentamente.

Foi lindo.

Não consigo imaginar nada -- além nadar com golfinhos, abraçar um panda ou cavalgar um unicórnio, talvez -- que se compare à magia quase brega que foi ter aquele bicho nas mãos: Eu fui feliz, Silviooooommmm. Fiz xixi no mato, peguei um roseado zégzy, caminhei uns quatro quilômetros de volta pra casa, vi árvores amareladas de canários-do-reino quando já ia me esquecendo de que sim, "nos bosques há árvores loucas de pássaros"... Cheguei em casa e capotei no sono sem sonhos dos exaustos, para acordar renovada duas horas depois, com o cheiro do protetor solar, da maresia e do suor me lembrando da tarde marítima.

O ponto de vista cria o objeto, Xochiquetzal. Você tem que se lembrar disso antes de completar sua rotina de auto-destruição. É possível ser feliz no desterro e na desdita. Deixa de ser dramática, toca o carpe diem nessa porra e transforme seu Poe em Gonçalves Dias:

Quoth the Raven: NEVERMORE! my ass:Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, motherfuckers!

--Xochiquetzal, tocando blues no cavaquinho.


Songs to this post:

"Mergulho Marítimo" - Pedro Luís e a Parede
"Gandaia das Ondas/Pedra e Areia" - Lenine
"A Cigarra" - Elza Soares

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