Above: Bonde do Inefavel, circa 1920
São três horas da manhã de sábado e o forró da padaria está comendo solto na esquina, com suas viradinhas cretinas de teclado insuficientemente abafadas pelo ruído da chuva torrencial que alaga a faixa de barro que eu chamo de minha rua. Amber e Penelope dormem no sofá, a água pro mate ferve na chaleira e eu acabo de terminar algo que estava protelando há muito tempo:
Reler o espancando teclados inteiro, de uma sentada só, só parando pra fazer xixi ou fumar um Marlboro Light.
(pausa dramática)
Estou abalada, feliz, surpresa, extasiada, perplexa, sorridente, intrigada, satisfeita, nostálgica, perceptiva, sábia, privilegiada, orgulhosa
O espancando começou como uma tentativa de preservar meu balé de Rasputin com o Atillah, que abdicou das cartas que iniciaram nosso tango intelectual, desistiu dos telefonemas que nos embalaram por anos e acabou desanimando diante de minhas tentativas de valsar com ele via e-mail. Diante da possibilidade de perdê-lo -- na época, tal possibilidade parecia-me aterradoramente real, ingenuidade minha -- sugeri meio desesperada que escrevêssemos um blog juntos... e não é que meu relutante parceiro finalmente teve a coragem de me tirar pra dançar, justamente quando eu me imaginava a gorducha sozinha e deslocada do baile de formatura?
O que estava tocando? "Deuces Are Wild" ou "Cryin'" do Aerosmith? Não lembro -- estava perdida nos braços digitais do moço bonito que sempre desejei de longe. A música não importava muito. Abracei-o com força durante "I Drove All Night" de Roy Orbison, senti suas mãos na minha cintura enquanto "Wicked Game" ecoava pelo salão. "He loves me, yeah, yeah ,yeah!", sorria eu do outro lado do monitor, rodopiando apaixonadamente pelo setlist do Inefável & seu Conjunto.
Mas não podíamos ficar a noite toda dançando coladinhos, por mais que a debutante virtual em mim assim o desejasse. A festa estava apenas começando e o Inefável era eclético; rebolamos com o boom boom boom de John Lee Hooker, chacoalhamos ao som do Pearl Jam... o baile chegava ao seu ápice. Fui coroada rainha da formatura, Carrie-style, desbancando a menina mais bonita do colégio...
... mas a impermanência acabou nos encontrando. Pisamos no pé do outro ao tentar cavalgar os cavalos selvagens do U2, erramos o compasso no "Lithium" de Cobain. Sweetheart, you're so cruel...
Perdi o Atillah de vista enquanto o Inefável tocava "It Won't Rain All The Time". O Corvo de Brandon Lee e Edgar Allan Poe crocitou seu fúnebre NEVERMORE! e encontrei-me no meio do salão, penteado desfeito, maquiagem borrada, vestido manchado de suor, tentando dançar sozinha sem muito sucesso. O baile estava no fim e eu sequer tinha quem me levasse de volta pra casa. EPIC FAIL, imaginei, enquanto entornava o quarto rum da noite, fingindo estar ótima pra ninguém...
...quando notei a menina mais bonita do colégio (aquela mesmo que perdeu para mim a coroa de rainha calipígia da blogosfera) me olhando. Devia estar me zoando, pensei. Subitamente self-conscious, tentei retocar o batom, ajeitar o cabelo e subir no salto -- afinal, aquela periguete era uma rival -- que olhava pra mim do balcão do bar com olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Olhos bonitos, perigosamente bonitos, acompanhados por lábios que formavam um "vem cá" inaudível.
Aquela cheerleader de corpete de couro estava me chamando? Olhei para trás para me certificar que era comigo mesmo. E não é que era? Minha trajetória através do salão quase vazio foi ebriamente errática: o salto estava me matando, já era na hora de eu chamar um táxi, meu estomo já estava na garupa do Bozo... mas heck, o que eu tinha a perder além do que eu já havia perdido? Respirei fundo e sentei ao lado da periguete, que me pagou uma vodka, disse estar me observando desde o início da festa e que eu dançava divinamente.
"OH NOES, essa sapata está querendo me comer!" Mas a moça era bonita. Bonita e inteligente. Bonita, inteligente e engraçada pra caralho. Bonita, inteligente, engraçada pra caralho e ridiculamente parecida comigo, de um modo esquisito. A primeira vodka deu cria. Entabulamos um diálogo que parecia ter tido seu início antes que nos conhecêssemos. Dose vai, dose vem, fomos gostando uma da outra. Muito. Quando nos demos conta, estávamos trocando juras de amor eterno, declarando irmandade infinita para o salão deserto. O Inefável & Seu Conjunto já tinha guardado os instrumentos e encerrado a apresentação há tempos. Éramos duas moças vergonhosamente bêbadas, esparramadas no chão sujo de confete, rindo convulsivamente, segurando o cabelo para a outra chamar o Raul com alguma dignidade, chorando memórias irreversíveis enquanto um carinha com pinta de estudante de Humanas fumava um baseado e arranhava Bob Dylan no violão, viajando na nossa.
Fomos juntas para a casa (dela ou minha, a essa altura não fazia mais diferença), e o resto, seus pervertidos, é silêncio.
Silêncio é o caralho: desde o baile fatídico, Bel e eu juntamos
Spooky Action from a Distance: we haz it.
Whoever said "it takes two to tango" has never read our bizarre Pergaminhos, Palimpsestos & Alfarrábios. The three of us have been dancing like no one is watching -- well, in John Hammond's case, a LOT of people were watching, but we didn't give a damn -- ever since. And guys: WE KICK ASS.
Patrick Swayze, Michael Jackson, Fred Astaire, Jay Kay, Ginger Rogers, Mikhail Barishnikov, Joaquín Cortés somos nozes!
Longa vida ao Bonde do Inefável, amigos. É um privilégio dançar o créu na velocidade 5 com vocês.
Sorrindo,
--Xochiquetzal/Marivone/Sua Psycho, com saudades, mas DIBÔUA.
P.S. - Summer 2010 in RdO: Armadillo Armageddon -- coming soon to a glitch in the Matrix near (well, not THAT near) you. You CAN'T miss it!.