Tipo isso.
Quando se leva uma vida bizarra como a minha fica realmente difícil dizer coisas do tipo “esse foi um dia difícil" ou "essa foi a semana mais bizarra da minha vida", porque me pego pensando em todas as coisas simplesmente toscas que pontuam a minha existência e vejo que seria injusto com elas colocar qualquer determindado período de tempo na pole position. Já fui atacada por tatus sanguinários, já fugi de um enxame de abelhas iradas me descabelando pela rua, sobrevivi a dois atropelamentos, um acidente de carro e uma tentativa de homicídio, quase fui presa pela fina flor da polícia americana, perdi parte de um dedo em um acidente bizarro envolvendo o fim da copa de 1998, um bolo de um ficante idiota, um irmão caçula desatento e o batente de uma porta... poderia seguir ad nauseam, mas só queria dar a vocês uma idéia das coisas que só acontecem comigo. O Atillah, companheiro e testemunha indireta de todas as minhas desventuras, já não se surpreende mais com as inverossimilhanças do meu ser.
Eu ainda me surpreendo.
Por isso digo: essa foi uma semana TOSCA. Parece que todo o mau carma acumulado durante o ano decidiu armar uma emboscada contra mim e me matar de morte matada; sobrevivi a mais essa tempestade mental com o auxílio de meus queridos benzodiazepínicos -- cuja presença já está começando a me incomodar e dos quais pretendo me livrar com finesse logo, logo -- e do onipresente açúcar, o crack feminino, que deixou para trás as marcas adiposas de sua presença na parte inferior do meu corpo. Mais alegria para os pedreiros da cidade, mais angústia desabrida até essas dobrinhas abandonarem esse corpo que não as pertence.
But I digress. As situações-limite envolvendo a saúde de amigos, amores e familiares parecem estar sob controle, meus planos de passar bem (se passar, claro) na prova do mestrado foram pra casa do caralho, estou sob uma overdose de açúcar e cafeína embalada pela voz de Edith Piaf e cheguei à conclusão de que, se não sentasse a bunda pra escrever alguma coisa, eu iria acabar pelada, correndo em círculos no terraço. Como todos os apartamentos ao redor são repúblicas de estudantes e os alicerces do meu prédio datam da época da Inconfidência Mineira, achei mais seguro depositar meus desabafos aqui no blog.
(Aliás, gostaria de dedicar esse post desconexo à Mme. Esquivel, meu carro-pipa de lágrimas eletrônicas.)
Pois é. Uma das bigornas que caíram na minha cabeça desde o meu último post me levou a uma clínica psiquiátrica -- não para tratar da minha cabecinha deformada, mas para visitar uma pessoa querida que foi parar lá E QUE NÃO SOU EU.
Por enquanto.
Eu sempre fui fascinada pelos loucos e pela loucura. Não sei por quê. Casos de instabilidade mental pululam na minha família e a cada ano que passa fico sabendo de estórias mais estranhas e escabrosas (talvez pelos meus familiares não acharem mais que possam me impressionar com os relatos do tio que anotava TUDO o que fazia 24hs, da prima guerrilheira "desaparecida" pela ditadura militar, das diversas e criativas tentativas de suicídio e do primo que só falava rimando, entre outras). Pois é. Durante essa visita fiquei conhecendo mais casos que gostaria de partilhar com vocês.
A clínica, que mais parece um pequeno hotel-fazenda e custa os olhos da cara, é agradabilíssima. O clima do lugar não lembra nem de longe as cenas noir dos hospitais psiquiátricos públicos ou as monstrusidades de filmes como “Bicho de Sete Cabeças” – exceto pelo eventual paciente obeso e desdentado, vagando sem camisa e torcendo as mãos. Cheguei em um sábado ensolarado, trazendo chocolates, biscoitos, coca-cola e cigarros para a minha pessoa querida QUE NÃO SOU EU, já que a minha remessa de alguns dias atrás fora surrupiada pelos outros internos, que abusaram da boa-vontade da minha pessoa querida QUE NÃO SOU EU. Cheguei, sentei-me à beira da piscina e comecei a botar o papo em dia com a minha pess... com o indivíduo que a partir de agora vou identificar como PQ.
Logo fomos interrompidos por um senhor de uns sessenta anos, com um olho faltando e o outro olho, de um azul esquisito, mirando um ponto qualquer na minha testa. Antes que eu conseguisse decidir pra que olho olhar enquanto falava com ele, o tal senhor pegou meu braço e disse, em tom confessional, que não me preocupasse com PQ, já que estava tomando conta dele, protegendo-o de todos os criminosos perigosíssimos que infestavam a clínica e de todos os espíritos malignos que conspiravam contra os dois. Durante a minha visita esse senhor caolho nos interrompeu pelo menos mais umas três vezes para me dizer exatamente a mesma coisa, num tom cada vez mais alarmante.
Pouco depois uma mulher de óculos fundo de garrafa e camisola florida veio me abraçar e beijar, emocionadíssima. Quando PQ fez menção de me apresentar a ela, ela o interrompeu: "Não, pode deixar, eu sei quem ela é -- é a XUXA!" Leitores, eu juro que na hora eu não consegui rir. Graças a Deus eu estava usando meus óculos rave que cobrem a metade da cara, porque acho que a expressão do meu rosto trairia o meu espanto. Sem largar a minha mão um minuto, a mulher disse o quanto gostava de mim, que sabia que eu viria, que ela assistia meu programa toda manhã... fiquei fúcsia. Não lembro se disse alguma coisa; acho que só fiz que sim com a cabeça. Ela cantou umas músicas que deviam ser da Xuxa (não reconheci nenhuma, já que meu repertório xuxesco se limita aos anos 80), disse que seus desenhos preferidos eram "o do Scooby-Doo e o do Bob Esponja" e que não gostava do Homem-Aranha, mas achava "o Homem de Gelo muito bonito". Uma pessoa, provavelmente parente dela, veio tirá-la dali -- depois de muitos abraços, "eu te amo Xuxa!" e promessas de visitá-la outro dia.
Depois de ser confundida com a Xuxa e alertada sobre os perigos físicos e espirituais do recinto, tive alguns minutos preciosos de conversa a sós com PQ, interrompidos pelos eventuais borrifos elefantinos causados pelos pacientes que se jogavam alegremente na piscina. Encharcada, divertida e um pouco confusa, fui apresentada a Mateus, um homem bonito e extremamente simpático -- o tipo de pessoa que causa empatia instantânea. Mateus foi o que mais me impressionou: sua lucidez, seu sorriso e sua aura de bondade absurda me deixaram desconcertada, especialmente quando soube que ele estava na clínica há três meses. Dentre muitas coisas, Mateus previu a Terceira Guerra Mundial, um confronto nuclear no qual os Estados Unidos e o Brasil venceriam a Inglaterra e a França; que eu teria um casal de gêmeos; me disse que viu Jesus -- com uma convicção da qual eu não duvidei -- e que o período que estava na clínica o prepararia para seu apostolado junto às nações do mundo.
Hmmm. Acho que o blog cumpriu sua função de depósito de desabafos (merci Mme. Esquivel) por enquanto... precisava escrever para não enlouquecer; agora entendo todos os escritores que atribuem a mesma função terapêutica à escrita.
Um leitor-não-tão-imaginário-assim que me achou no MSN e trocou algumas idéias comigo a respeito do Espancando disse que eu glamourizava meus problemas emocionais e exagerava as coisas que aconteciam comigo pra conseguir atenção. Nunca neguei meu status de attention whore, mas gostaria de poder recorrer à hipérbole ao descrever as coisas que acontecem comigo. Leitor, acredite se quiser. Não sei, só sei que foi assim, como diria o Chicó. Li em algum lugar que há um ditado chinês que diz que "para conquistar uma besta, você deve primeiro torná-la bela". Pode ter a profundidade de um biscoito da sorte do China in Box, mas é verdade. Tento amansar a besta da loucura e ensiná-la a dar a patinha, em vez de subir numa cadeira e gritar feito uma mulherzinha cada vez que ela se esgueira pela cozinha da minha cabeça. Alguém pode me culpar por isso?
Falando em China in Box, no meu frenesi de alimentação panda pedi China in Box hoje (me arrependi depois, comida horrível, mas meu corpo ficou feliz com os carboidratos). Eis o que dizia o papelzinho do biscoito da sorte:
Um grande desempenho cultural: aproveite-o para grandes obras.
(26-37-59-07-27-10).
Leitores que jogam na Sena, não se esqueçam do meu desempenho cultural caso ganhem com esses números aí. Estou destinada à grandeza.
Mais louco é quem me diz,
--Xochiquetzal.