(Olha para o cursor piscando provocações literárias)
(lembra que o carinha de "Across the Universe" é altamente gatinho)
(concentra-se na zombaria eletrônica do cursor piscante)
(muda o papel de parede do computador)
(volta a tentar escrever alguma coisa)
(resolve ver "Across the Universe" de novo)
Estou trabalhando demais.
Tipo, 13+ horas por dia demais.
Agora não tem mais volta: é aguentar o tranco até o final do semestre, quando alforriarei a mim mesma e tentarei usufruir do capital acumulado durante estes seis meses negreiros. Se houver algum capital restante, claro, já que meu novo estilo de vida devora-se a si mesmo como algo que devora-se a si mesmo e não me vem à mente agora porque estou estupidamente cansada. Meus gastos com junk food na rua são irreais porque não tenho tempo ou disposição para ir a um restaurante. Comer em casa, nem pensar: saio todo dia por volta das sete da manhã e só torno a ver meus gatos às dez da noite, quando tomo um banho, leio dois capítulos do livro do momento (Laços de Família de Clarice Lispector) e desligo, o tilintar das chaves do patrão chegando imiscuindo-se aos sonhos sorrateiros dos que precisam de remédio para dormir.
Pobre patrão. Não sei com que roupa ele saiu hoje, se fez a barba, se está com um abscesso purulento no meio da testa ou ainda possui dentição completa. Não saberia se ele chegasse em casa às quatro da manhã, meia garrafa de Absolut na mão, cueca por cima da calça e coberto de marcas de batom. Acordo com ele nocauteado ao meu lado e participo de atividades noturnas pretéritas através das pistas deixadas pela casa: rodelas úmidas nos móveis, cinzas no sofá, louça suja na pia. Refaço a noite dele na limpeza diurna minha, um rebuliço de arrumação ligeira entre horas, livros e gatos negligenciados. Banho, roupa, maquiagem, café requentado pela pressa, verifico o conteúdo da bolsa de cinco quilos, afago o gato mais próximo e saio correndo pelas manhãs ofuscantes da Região dos Lagos, parando às vezes no corredor-varanda para um cigarro e um instante clandestino de contemplação e paz: as nuvens nas montanhas ao longe, os coqueiros dos terrenos que circundam meu prédio, a cidade que amanhece, o silêncio.
Devo ser uma figura interessante, a hippie de maquiagem gótica fumando um cigarro no meio do brejo.
Pego a van até o centro, passando por mares cobalto antes de entrar na sala de aula que será minha baia pelas próximas dez horas. Luz fluorescente e ar-condicionado contra o desbunde tropical do lado de fora, e aulas, muitas aulas, aulas até as dez da noite, com quinze minutos de intervalo entre elas, aulas. É o que eu sei e gosto de fazer, mesmo com as turmas infernais de adolescentes mimados e as sessões Eliana Dedinhos com meus grupos de kids, mas oh boy: são muitas horas de pé, falando alto e sem parar, muita coisa a preparar e corrigir. Meu ano de vagabundagem em 2008 me deixou tão esfomeada por trabalho que acabei abocanhando mais, muito mais do que sou capaz de engolir -- mas não tem jeito. Alguns goles de benzodiazepínicos para ajudar a maçaroca a descer goela abaixo, Tandrilax para as pernas e as costas, Hexomedine para a garganta: viva a alopatia.
Ao meio-dia de sábado chego em casa para não sair mais até a manhã de segunda, já que praias e bares não são mais opções de lazer. Os momentos de vigília das trinta e seis horas seguintes são uma celebração folclórica do cultivo de batatas-de-sofá: uma quermesse mental com corrida do saco (de tatus), pescaria (de assuntos), maratona (de DVDs) ,tradicionais barraquinhas de Scrabble, Mau-Mau e Truco e comidas tipicamente calóricas.
Enquanto isso vivo minha versão proletária de Feitiço de Áquila, tendo breves vislumbres do meu marido ao nascer e pôr do sol e aguardando que Julho chegue, libertando-me da maldição dos professores workaholics.
Apesar da minha dieta de partir --literalmente-- o coração e minha atividade física pífia, de algum modo meu organismo resolveu me deixar feliz dando um jeito para que eu perca peso ensinando inglês. Obrigada, organismo: ao pensar que a atividade física mais extenuante de meus fins de semana é ensaboar o corpo e que ando tão absurdamente sedentária que me pego sem fôlego no chuveiro, só posso agradecer.
Bem, caros leitores, esse é o resumão do meu mês, pálido em comparação ao da Bel, claro: nada de polilances, ou crises financeiras.
E formaturas:É ÓBVIO que preciso ver o convite de tão importante evento -- a menarca da sangria desatada que é o mercado de trabalho. Regozijo-me com você, amiga, e gostaria muito de poder testemunhar sua colação diminutiva, nem que fosse apenas para rir sozinha da superlatividade que te aguarda. Ah, os meus velhos tempos de recém-formada...
E ó: cansei de meus pronunciamentos oficiais à imprensa de que não estou grávida e não tenho planos de emprenhar. Atillah, você é um motherfucker, e se ainda me resta algum poder místico, rogo-lhe a seguinte praga: que você seja o primeiro participante desse blog a passar seus genes adiante, e transforme-se no tipo de cara que vai a todas as pecinhas de escola do(s) filho(s), coloca a foto do(s) moleque(s) -- nunca se sabe a extensão de meus poderes maldizentes, deve-se sempre deixar espaço para a pluralidade das novas existências -- como papel de parede do computador.
E que se o seu futuro filho for menino-macho, que seja Atillah JÚNIOR.
Fazendo-se de rogada,
-- Madame Xochiquetzal Espírita Vidente.
(lembra que o carinha de "Across the Universe" é altamente gatinho)
(concentra-se na zombaria eletrônica do cursor piscante)
(muda o papel de parede do computador)
(volta a tentar escrever alguma coisa)
(resolve ver "Across the Universe" de novo)
Estou trabalhando demais.
Tipo, 13+ horas por dia demais.
Agora não tem mais volta: é aguentar o tranco até o final do semestre, quando alforriarei a mim mesma e tentarei usufruir do capital acumulado durante estes seis meses negreiros. Se houver algum capital restante, claro, já que meu novo estilo de vida devora-se a si mesmo como algo que devora-se a si mesmo e não me vem à mente agora porque estou estupidamente cansada. Meus gastos com junk food na rua são irreais porque não tenho tempo ou disposição para ir a um restaurante. Comer em casa, nem pensar: saio todo dia por volta das sete da manhã e só torno a ver meus gatos às dez da noite, quando tomo um banho, leio dois capítulos do livro do momento (Laços de Família de Clarice Lispector) e desligo, o tilintar das chaves do patrão chegando imiscuindo-se aos sonhos sorrateiros dos que precisam de remédio para dormir.
Pobre patrão. Não sei com que roupa ele saiu hoje, se fez a barba, se está com um abscesso purulento no meio da testa ou ainda possui dentição completa. Não saberia se ele chegasse em casa às quatro da manhã, meia garrafa de Absolut na mão, cueca por cima da calça e coberto de marcas de batom. Acordo com ele nocauteado ao meu lado e participo de atividades noturnas pretéritas através das pistas deixadas pela casa: rodelas úmidas nos móveis, cinzas no sofá, louça suja na pia. Refaço a noite dele na limpeza diurna minha, um rebuliço de arrumação ligeira entre horas, livros e gatos negligenciados. Banho, roupa, maquiagem, café requentado pela pressa, verifico o conteúdo da bolsa de cinco quilos, afago o gato mais próximo e saio correndo pelas manhãs ofuscantes da Região dos Lagos, parando às vezes no corredor-varanda para um cigarro e um instante clandestino de contemplação e paz: as nuvens nas montanhas ao longe, os coqueiros dos terrenos que circundam meu prédio, a cidade que amanhece, o silêncio.
Devo ser uma figura interessante, a hippie de maquiagem gótica fumando um cigarro no meio do brejo.
Pego a van até o centro, passando por mares cobalto antes de entrar na sala de aula que será minha baia pelas próximas dez horas. Luz fluorescente e ar-condicionado contra o desbunde tropical do lado de fora, e aulas, muitas aulas, aulas até as dez da noite, com quinze minutos de intervalo entre elas, aulas. É o que eu sei e gosto de fazer, mesmo com as turmas infernais de adolescentes mimados e as sessões Eliana Dedinhos com meus grupos de kids, mas oh boy: são muitas horas de pé, falando alto e sem parar, muita coisa a preparar e corrigir. Meu ano de vagabundagem em 2008 me deixou tão esfomeada por trabalho que acabei abocanhando mais, muito mais do que sou capaz de engolir -- mas não tem jeito. Alguns goles de benzodiazepínicos para ajudar a maçaroca a descer goela abaixo, Tandrilax para as pernas e as costas, Hexomedine para a garganta: viva a alopatia.
Ao meio-dia de sábado chego em casa para não sair mais até a manhã de segunda, já que praias e bares não são mais opções de lazer. Os momentos de vigília das trinta e seis horas seguintes são uma celebração folclórica do cultivo de batatas-de-sofá: uma quermesse mental com corrida do saco (de tatus), pescaria (de assuntos), maratona (de DVDs) ,tradicionais barraquinhas de Scrabble, Mau-Mau e Truco e comidas tipicamente calóricas.
Enquanto isso vivo minha versão proletária de Feitiço de Áquila, tendo breves vislumbres do meu marido ao nascer e pôr do sol e aguardando que Julho chegue, libertando-me da maldição dos professores workaholics.
Apesar da minha dieta de partir --literalmente-- o coração e minha atividade física pífia, de algum modo meu organismo resolveu me deixar feliz dando um jeito para que eu perca peso ensinando inglês. Obrigada, organismo: ao pensar que a atividade física mais extenuante de meus fins de semana é ensaboar o corpo e que ando tão absurdamente sedentária que me pego sem fôlego no chuveiro, só posso agradecer.
Bem, caros leitores, esse é o resumão do meu mês, pálido em comparação ao da Bel, claro: nada de polilances, ou crises financeiras.
E formaturas:É ÓBVIO que preciso ver o convite de tão importante evento -- a menarca da sangria desatada que é o mercado de trabalho. Regozijo-me com você, amiga, e gostaria muito de poder testemunhar sua colação diminutiva, nem que fosse apenas para rir sozinha da superlatividade que te aguarda. Ah, os meus velhos tempos de recém-formada...
E ó: cansei de meus pronunciamentos oficiais à imprensa de que não estou grávida e não tenho planos de emprenhar. Atillah, você é um motherfucker, e se ainda me resta algum poder místico, rogo-lhe a seguinte praga: que você seja o primeiro participante desse blog a passar seus genes adiante, e transforme-se no tipo de cara que vai a todas as pecinhas de escola do(s) filho(s), coloca a foto do(s) moleque(s) -- nunca se sabe a extensão de meus poderes maldizentes, deve-se sempre deixar espaço para a pluralidade das novas existências -- como papel de parede do computador.
E que se o seu futuro filho for menino-macho, que seja Atillah JÚNIOR.
Fazendo-se de rogada,
-- Madame Xochiquetzal Espírita Vidente.
Um comentário:
Meu coração rejubila-se e canta hosanas (OLOLCO, fui longe) com esse post delicioso. Bom saber que a fatiga e o excesso de trabalho não sufocaram sua espontaneidade literária.
Btw, já vi Across The Universe com a Vixen. Achei a história sem sal, mas o filme, num todo, é lindo mesmo.
X., quero ser chata não, mas esse monte de junkie food FAZ MAL, filha (na verdade, o monte de trabalho faz mais mal que a alimentação à base de farinha e gordura). Pode tratar de comer coisa verde e abacaxi, fazenufavô. Vou ter que voltar aí pra te fazer comer direito, é?
Eu nunca fui de fugir de trabalho, btw, parece que smeestre que vem vou ter que me desdobrar em DOIS empregos, caso minha companheira aqui continue na rua da amargura até lá. Em julho você se alforria e eu me acorrento. Ironia. Detesto ironia.
Falando em ironia, faço coro à sua praga rogada, apesar de que eu e Atillah achamos em uníssono que você será a primeira a ter [risca]bastardinhos[/risca] filhos.
Qualquer um dos dois que for o primeiro, já fique sabendo que eu quero ser a madrinha, tá?
xoxox
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