
(essa é clássica, não podia faltar num diálogo sobre tempo)
Cara amiga, cada vez mais me surpreendo com nós duas. Tão iguais em algumas
horas, a ponto de uma gritar prá outra frases amigáveis do tipo SAI DA MINHA CABEÇA, SUA PSYCHO. Tão diferente noutras coisas... como essa questão do tempo. É uma dança de pêndulos, que se aproximam e se afastam ao intercalar de cada segundo, tiquetaqueando sincronicamente, cada uma com seu passarinho na janela gritando
CU-CO! CU-CO! CU-CO! de maneira irritante, entre outras coisas menos agradáveis que eles insistem em gritar a cada hora que vemos escoar.
É foda, né? Será que tem como trocar esse cuco por um tico-tico no fubá?
Eu rio do tempo. Sério, eu me dou esse luxo enquanto sou jovem e, teoricamente, tenho muitos anos pela frente. Teoricamente.
Eu rio do tempo, porque ele tem que se esforçar muito prá fugir da minha sede. Você disse "tenho vida de sobra nas mãos, sem ter a menor idéia do que fazer com ela". Quer uma sugestão do que fazer com essa vida? Chupa lascivamente cada cantinho, lambe, beija, esfrega na face, nas bochechas, no pescoço, nos seios e, depois, engole tudo de uma vez.
Como eu disse, o tempo tem que se esforçar prá fugir da minha sede. Você tem vida de sobra nas mãos e não sabe o que fazer com ela, enquanto a minha vida mal cai em minhas mãos e eu já a engulo aos borbotões (foi você mesma que disse "tão novinha...", não foi?)
Vocês bem sabem, o que me mata da rotina é saber que não estou aproveitando meu tempo da melhor forma que eu poderia, e sem ganhos posteriores interessantes. O tempo é curto, o tempo acaba, o tempo nem sempre é dinheiro, o tempo nos fode com pimenta ao invés de KY, o tempo escoa nossos grãozinhos de areia por aquele buraquinho minúsculo da ampulheta. E é tão tragicômico, ser um grãozinho na ampulheta e nada mais.
Tão tragicômico que acho
perda de tempo você
perder tempo se perguntando o que você quer da vida.
Fora o Obama, que responderia "ser o primeiro presidente
negro afro-descendente dos Estados Unidos da América", pouca gente sabe o que quer da vida. E é uma coisa tão simples de resolver, tão infantilmente rasa que é difícil de acreditar que o máximo que a gente pode querer da vida é
viver. Sério mesmo. Agora sobre a pergunta
viver? mas COMO?, já não tenho tantas respostas óbvias e clichês assim.
Com minha auto-terapia de conversar em voz alta de frente prá parede, descobri que grande parte das minhas angústias começam quando me dou conta de que estou perdendo algo muito melhor que está logo ali, ao alcance da minha mão. Como você estar em casa sábado a noite fazendo um trabalho chato enquanto seu vizinho do apartamento de cima dá uma festa do caralho. ISSO é deixar o tempo escoar. Funciono na base pavloviana de ser condicionada via estímulo-recompensa, e não ver recompensas CLARAS quase sempre faz eu me achar uma babaca (o que acontece 75% do
tempo)
The sun is the same in a relative way, but you're older
Shorter of breath and one day closer to death ISSO é desesperador, e ISSO me faz rir do tempo. Porque, daqui a uns anos, é o tempo quem vai rir de mim. Quando eu tiver velha, encarquilhada, toda enrugada e com o dedo do tempo e da morte apontados prá minha cara ao som de suas risadas funestas (você sabe que o tempo e a morte são amiguinhos, né), eu vou poder pegar a
Indesejada das Gentes pela gola e dizer
I don't need more life, fucker. O pouco que tive, já bebi. Burn in hell, you bitch.Em suma... posso estar me precipitando ou deixando apenas que o alcóol fale via meus dedos (maldita mania estúpida de escrever bebendo... o texto começa bem, mas depois descamba pro absurdo, alguém já notou?), mas acho que saberei morrer porque eu soube viver.
O tempo? Deixa ele correr, o que podemos fazer? Espernear a cada segundo que se esvai? Ficar sentando pensando
"o que devo fazer da vida?" ao invés de levantar e fazer QUALQUER COISA ao invés de ficar sentado se perguntando o que se deve fazer da vida?
Não há o que se fazer da vida, exceto uma coisa já citada neste post.
Hedonism: I haz it.
Esses dias, durante minha auto-terapia, eu recordei de uma das minhas primeiras lembranças como gente. Eu era tão novinha que minha mãe ainda me dava banho. Lembro que eu estava dentro do box, no chuveiro, minha mãe agachada na minha frente e minha irmã se enxugando fora do box, um curumim pequenininho e gordinho. O chão estava molhado e cheio de espuma, e eu comecei a escorregar prá cair. Meu impulso foi, obviamente, procurar algo em que me segurar. Sabe no que tentei me segurar?
Na água do chuveiro. Umas três vezes tentei agarrar aquela bosta, não consegui e caí estatelada, de bunda no chão. Eu sei, contando não parece tão engraçado, mas vocês não têm a menor idéia de como estou rindo enquanto digito isso e lembro da cena. Minhas duas queridas certamente também rirão muito quando eu contar a elas esse episódio e elas relembrarem do acontecido. Enfim, divago.
Queria dizer que foi durante essa sessão solo-terapêutica que ouvi, pela primeira vez, uma risada meio sádica vinda do tempo. Ele me fez lembrar que desse episódio do chuveiro prá cá, já me mudei cinco vezes, cresci uns 100 centímetros e uns 50 kg, não só me formei no segundo grau como estou me formando já na faculdade, perdi o BV, perdi a V, experimentei comidas diferentes, fui pro Paraguai (AY AY AY!), espalhei a palavra de Deus Brasil afora, me apaixonei diversas vezes, troquei de emprego, fiz 8 vestibulares, sofri, me depilei, aprendi a pregar botão, fiz inúmeras tortas que não prestaram, li incontáveis livros, assisti milhares de filmes; e foi essa enxurrada de exeperiências, embalada pelos
CU-CO! CU-CO! CU-CO! da minha imaginação doentia, que começou a fazer pressão -a ponto de doer- nos meus ombros.
Mas eu sou
natural born malemolente, so I turned the table. Não foi um tempo que
passou, foi um tempo que eu certamente
vivi. E que venham os próximos anos! Possivelmente os
CU-CO! CU-CO! CU-CO! sejam mais freqüentes daqui prá frente, but I'll handle it. Cada dia mais me convenço que "viver" vem de dentro prá fora, e não de fora prá dentro;
so, my dear X., you'd better make up your mind. Soon. Don't tic-tac yourself forever.
Chutando a bunda dos ponteiros,
Bel.